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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


segunda-feira, 7 de novembro de 2011

BICHO DA GOIABA - Por Mundim do Vale.

Eu não consigo aquí precisar o ano, mas foi mais-ou-menos em 1960.
Depois do triste falecimento do meu tío Raimundo Piau, sua filha Socorro, que tinha de treze a quatorze anos, foi estudar na cidade e ficou morando na nossa casa de número 04 na rua Padre José Alves, ou rua da lagoa.
Além da boa convivência aquela menina ajudava a minha mãe no reforço escolar dos meus irmãos mais novos, já manifestando alí a sua vocação para a excelente educadora que é hoje.
A casa vizinha de número 06 que pertencia a Maria de Bárbara, foi cedida pela proprietária para ser ocupada por uma religiosa de nome Emília Gadelha, que nós tratávamos carinhosamente por Vovó Gadelha.
No quintal daquela casa tinha uma goiabeira que os seus frutos eram conhecidos na cidade, como os mais graúdos e saborosos.
O único bicho que aquelas goiabas tinham, era somente eu, porque quando Vovó Gadelha saía para a igreja onde fazia suas preces para o Coração de Jesus, eu fazia uma verdadeira devassa naquela goiabeira.
Um dia Socorro me chamou para comprar umas goiabas com ela. Chegamos lá Socorro falou:
- Vovó Gadelha. Eu queria comprar umas goiabas, quanto é uma?
- É mil réis. Mais miá fia vai pricisar se assubí mode tirá.
Socorro pegou dez mil réis e falou:
- Eu quero comprar dez, mas não faz bem eu subir de vestido, por isto eu trouxe meu primo Raimundinho pra subir. (naquele tempo as garotas ainda não vestiam shorts nem calças compridas ).
Vovó Gadelha disse:
-- Apois tá bom, mais diga a Reimundo pra ter coidado prumode num derrubar as verde.
Eu subí na goiabeira e Socorro ficou recolhendo as frutas em uma sexta. Só que nem Socorro nem Vovó Gadelha estavam notando a minha malandragem. Quando eu jogava uma pra Socorro, botava outra na boca e jogava duas em um tanque de acumular água que tinha no pé do muro dividindo os dois quintais.
Chegando em casa eu fui direto no tanque onde tinha mais de vinte goiabas. Quando Socorro viu a arrumação falou decepcionada:
- Mais Raimundinho. Como é que você foi fazer uma coisa dessa? Você fez um furto e me comprometeu também.
Enquanto eu morria de vergonha, ela desenvolvia um plano para resolver o problema. Depois do plano feito ela falou:
- Pronto Raimundinho. Eu vou pagar o prejuízo de Vovó Gadelha e ao mesmo tempo lhe poupar de um constrangimento.
Pegou mais dez mil réis e foi até lá;
- Vovó Gadelha eu trouxe mais dez mil réis pelas goiabas que levei.
- Pricisa não miá fia. Você já pagou o mermo tanto qui os ôto paga nas guaiaba.
- Mas Vovó, é porque as goiabas que o Raimundinho tirou são maiores, elas são o dobro das outras e assim sendo eu quero pagar em dobro.
A atitude daquela garota foi para mim uma lição de honestidade que eu conservo até hoje.


Socorro Morais Martins, dedica esse causo a: Seu irmão Nilo Morais e a sua prima também educadora, Artemísia Sátiro.

7 comentários:

  1. ESSE NAO FOI UM CAUSO; FOI UMA LIÇÃO DE VIDA PARABÉNS POETA

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  2. Mundim.

    Sua historia parece muito com a do Luiz Gonzaga. Uma pra mim, outra pra mim, uma pra tu, outra pra mim.

    Mas os exemplos de vocês sempre foram os exemplos da Socorro: Honradez, decência, lisura e correção.
    Parabens por mais um bom causo.

    Grande abraço.

    Antonio Morais

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  3. Meu Poeta, você me faz rir com suas perautises de menino, com seu bom humor de prozista e cordelista; me emociona com sua sensibilidade de poeta e como amigo e conterraneo me deixa extremamente honrada com sua honestidade. Abraço carinhoso e fraterno. Fatima Bezerra.

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  4. As homenagens desse conto devem ser para a educadora Socorro Morais Martins, que com um gesto e poucas palavras, deu uma boa lição.

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  5. Período difícil que às vezes agente se obrigava fazer em função da falta de frutas no nosso meio. Problema que perdurava na época por todos nós crianças em função da falta de oportunidades de trabalho e de uma economia defasada, também de dinheiro para comprar merenda. Eu, voltando da escola passando em Manoel do Sapo tinha que enfrentar o furto de atas, com vista a sanar a fome. Raimundinho, o mais prazeroso é recordarmos esse passado e já no período ter a consciência de que estávamos fazendo coisas erradas e não dar continuidade ao erro.

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  6. Raimundinho, concordo plenamente com você. Porém sinto-me muito honrada pela homenagem. Socorro e Edmilson são meus ídolos. Inspiro-me nestes espelhos de vida que são.
    Um grande abraço.
    Artemísia

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