Desde que a inflação começou a mostrar dentes cada vez mais afiados e o incômodo grito de descontentes tomou as ruas, tornou-se praticamente impossível manter os disfarces que encobriam o autoritarismo e a soberba da presidente Dilma Rousseff.
Se mesmo em tempos de popularidade recorde, de Brasil grande, de massas manobradas, já era difícil aturar a fera, agora aliados e o próprio PT já não escondem o desalento nem a ira. Nessa ordem, ou vice-versa. Até o padrinho Lula sumiu.
Lançada à sua própria sorte e sem vislumbrar qualquer chama tênue capaz de clarear o fim do túnel, Dilma tem se superado na brabeza. Na quinta-feira, ao sentir seu poder de mando ameaçado, sua fúria foi tamanha que ela obrigou o vice Michel Temer e o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo a desdizerem o dito óbvio, feito horas antes, sobre a inviabilidade de se realizar às pressas um plebiscito e uma reforma política válida para as eleições de 2014.
A emenda se mostrou pior que o soneto. Assim como o remendo para consertar a equivocada Constituinte exclusiva que a presidente lançara, o pito só fez desafinar ainda mais uma orquestra que ela jamais conseguiu reger; que a engoliu, mas nunca gostou da sua batuta.
Quando fecha os olhos, Dilma deve sonhar com um batalhão de Guidos Mantegas a lhe sussurrar cantigas de roda enquanto o funk pega firme lá fora.
Mantega, o ministro da Fazenda do país imaginário, que no seu faz-de-conta insiste em dizer que o Brasil vai crescer 3%, a inflação não escapará da meta e as contas públicas estão equilibradas. Que, mesmo vendo o IPCA bater em 6,7%, comemora, como criança que ganhou um doce, a inflação quase zero dos alimentos. Que anuncia a suspensão parcial da desoneração para a linha branca poucos dias depois de a presidente dar crédito para os beneficiários do Minha casa, minha vida na compra de geladeira, fogão e máquina de lavar. Que não tem pudor em dizer que impostos podem subir.
Como se vê, não é só por teimosia que Dilma quer Mantega. Ele a afaga.
Também não se pode dizer que é teimosia da presidente a insistência no plebiscito. Bem ou mal, o tema lhe é bastante útil – senão o único – para tergiversar, para tentar escapar do centro do furacão.
Seguindo o script da marquetagem, Dilma diz ter ouvido a voz das ruas, que crê na “inteligência do povo brasileiro”; que “não é daqueles que não acredita que o povo é incapaz de entender [o plebiscito] porque as perguntas são complicadas”.
Se algum faro tivesse, saberia que as ruas continuam lhe dizendo o inverso. Complicadas, Dilma, não são as perguntas, mas as respostas que o governo insiste em dar.
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