O governo Dilma Rousseff tornou-se uma espécie de latifúndio improdutivo que ninguém quer dividir. Num instante em que o Datafolha informa que apenas 10% dos eleitores aprovam a atuação da presidente, até Lula se afasta do alambrado. O criador refere-se à criatura como um conto do vigário em que ele também caiu.
Munido de pesquisas próprias, Lula teve um surto de óbvio. Em conversa com religiosos, disse que o prestígio da ex-supergerente “está no volume morto”. Mas Lula não enxerga um culpado no espelho. Ele se vê no rol das vítimas que Dilma puxa para o fundo. “O PT está abaixo do volume morto. Eu estou no volume morto.”
A taxa de reprovação de Dilma bateu em 65%, informa o Datafolha. Lula lava as mãos: “Gilberto [Cavalho] sabe do sacrifício que é a gente pedir para a companheira Dilma viajar e falar. Porque na hora que a gente abraça, pega na mão, é outra coisa. Política é isso, o olhar no olho, o passar a mão na cabeça, o beijo.”
A aversão a Dilma alastra-se inclusive pela base da pirâmide, de onde o PT costuma extrair mais votos. Entre os eleitores que ganham até dois salários mínimos, apenas 11% aprovam a presidente, enquanto 62% a rejeitam. Lula enxágua as mãos:
“Tem uma frase da companheira Dilma [na camanha presiodencial] que é sagrada: ‘Eu não mexo no direito dos trabalhadores nem que a vaca tussa’. E mexeu. Tem outra frase que é marcante, que é a frase que diz o seguinte: ‘Eu não vou fazer ajuste, ajuste é coisa de tucano’. E fez. E os tucanos sabiamente colocaram Dilma falando isso [no programa de TV] e dizendo que ela mente. Era uma coisa muito forte. E fiquei muito preocupado.”
A ruína de Dilma, ilusão suprema, dá a Lula a sensação de que sua preocupação é útil.
Para 63% dos entrevistados do Datafolha, o ajuste fiscal de Dilma afeta sobretudo os mais pobres. E Lula, limpando o seu discurso de orador inocente: “Falar é uma arma sagrada. Estamos há seis meses discutindo ajuste. Ajuste não é programa de governo. Em vez de falar de ajuste… Depois de ajuste vem o quê?”
Deterioram-se também as expectativas dos eleitores. Para 73%, informa o Datafolha, o desempego irá aumentar no próximo período. Em fevereiro, pensavam assim 62% dos pesquisados. Para Lula, falta gogó à gestão Dilma. “Os ministros têm de falar. Parece um governo de mudos.” Irrita-se especialmente com o mutismo da Casa Civil. Eu disse “pelo amor de Deus, Aloizio [Mercadante], você é um tremendo orador. É certo que é pouco simpático…”
Todos são culpados pela crise, menos o criador do mito da gerentona infalível. A crise faz Lula insinuar que seu retorno seria algo restaurador em 2018. Mas um detalhe escapa ao sábio da tribo petista: assim como um ovo é algo que não pode ser desfritado pelo cozinheiro, Dilma é um pesadelo do qual Lula não tem como acordar.
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