Dom Quintino.
Está na memória de todos o que foi a revolução de Juazeiro, em 1914. Sabe-se que, constrita, por mais de um mês, dentro de um imenso círculo de valados, a revolução, afinal, saltou fora das trincheiras, renunciou à simples defensiva e arremeteu contra Crato, onde se haviam aquartelado as forças legais.
Mil duzentos e sessenta e quatro homens de luta, jeitosamente escolhidos, tomaram, mais depressa do que era lícito prever, a cidade vizinha, um ano depois elevada à sede do bispado. Rendido Crato, estava moralmente derribado o governo que ali pusera as suas tropas.
Fácil é de imaginar o acabrunhamento dos vencidos e, sobretudo, a audácia dos vencedores. Pois bem. Em meio à cidade deserta, pela fuga em massa dos seus habitantes, um homem ficou sereno, impertérrito, como a desafiar a fúria dos assaltantes.
Esse homem era monsenhor Quintino, então vigário, e, menos de dois anos depois, o primeiro bispo de Crato. Isto, porém, pouco significaria, se não fosse ele, como era, o alvo preferido de certa parte dos triunfadores, exatamente os mais ignorantes, fanáticos e impulsivos.
Sentinela avançada, desde 1900, da autoridade diocesana, no alto sertão, executor de todas as ordens emanadas de Roma e de Fortaleza, em relação ao padre Cícero, grave e notória era a atmosfera de prevenções e malquerenças acumuladas contra ele, ao explodir a revolução assoberbante.
Apenas tomada a praça, um punhado de fanáticos, mesmo a despeito de formal recomendação do padre Cícero, batia, a coice de rifle, à porta do pároco temerário. Não quebrem, que vou abrir soou, de dentro, uma voz firme e articulada.
Logo após, franqueada a porta, penetrava na sala uma dezena de jagunços, em trajos berrantes de cangaceiro, agora defrontados com um sacerdote inerme, em cuja fisionomia ninguém leu um sobressalto.
Que pretendem os senhores? Indagou o vigário, quebrando, tranquilamente, o silêncio. Nós queremos é um dinheirinho. Aqui têm o que lhes posso dar, replicou o ministro de Deus, tirando do bolso e entregando uma nota de 10$000.
Mas nós queremos, ainda, uma coisa, insistiram os recém-chegados. É que seu vigário deixe de mão meu padrinho Cícero. E, nhôr sim. Porque agora chegou o tempo de acabar com aquelas perseguições...
Monsenhor Quintino, então, assenhoreando-se do lance, interrompeu a arenga e falou em tom imperativo: Isso é com os meus superiores e só com eles. A mais ninguém tenho que prestar contas dos meus atos. E os senhores tratem, já, de desocupar minha casa. Desconsertados com o corajoso e imprevisto da réplica, os fanáticos foram saindo, um atrás do outro, sem mais adiantar palavras àquele homem superior.
E foi assim, sem uma curvatura em meio às capitulações do momento, que viveu aquela, como as outras horas da sua existência, o nobre representante da Igreja.
Tudo decorre de acordo com as conveniências. Os padres de hoje, e, até mesmo o Azarias Sobreira, se vivo fosse, não escreveriam este texto.
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