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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


sábado, 1 de outubro de 2016

A confissão de Lula – por Miguel Reale Júnior (*)

Aquele que propalou a sua ‘honestidade’ tem um futuro desolador pela frente O mensalão constituiu comprovadamente a forma espúria pela qual o PT, partido de 50 deputados, sem partilhar o poder com os demais partidos, veio a formar uma maioria parlamentar. 

A concentração de poder nas mãos do partido era sagrada. Podia-se contemplar outro partido com cargo de ministro, mas não com ministério, cujo controle a partir do secretário executivo era detido por apaniguados do PT. O aparelhamento do Estado foi absoluto. A administração, direta e indireta, agências reguladoras, fundos de pensão foram entregues a sequazes do PT.
Com essa forma de governar se descontentavam os demais partidos e seus parlamentares, que passaram a ser cooptados por meio de envelopes com dinheiro entregues em hotéis de Brasília. José Dirceu, chefe desse esquema de propina, que destrói a democracia por dentro, tesoureiros do PT e líderes do PP e do PTB arquitetaram inteligente manobra financeira para alimentar a compra de deputados. 

Denunciada a trama urdida com Marcos Valério & Cia., passou-se a recorrer a outra fonte pagadora: os sobrepreços em contratos da Petrobrás, visando exatamente ao mesmo fim: a governabilidade num presidencialismo de coalizão, desvirtuado, pela sede de poder, em presidencialismo de corrupção. Instalou-se nova ditadura da propina, envolvendo gravemente dois ministros da Fazenda, pessoas de alta confiança de Lula. 

À denúncia e à explanação dos procuradores Lula respondeu no dia seguinte em reunião do PT, na qual pretendeu acusar os seus acusadores. Sempre verborrágico e dramatizador, Lula não se ateve ao fulcro do fato delituoso que lhe é imputado, qual seja, a propriedade dissimulada do triplex com cozinha gourmet e elevador privativo patrocinado pela OAS, após visita ao apartamento em companhia do presidente da empreiteira. 

No meio de choros e lamentos como perseguido por ser protetor dos pobres, declarou-se vítima de algozes tal como foram Jesus e Tiradentes. Lembrou-se de sua infância miserável e, ao defender sua família, chorou.
Todavia, no meio dessa algaravia de lamentações mal encenadas, havia um núcleo racional, no qual se tem a impressão de que Lula falava consigo mesmo, como para justificar por que os fatos assim se deram e não poderia ter sido diferente. Subliminarmente, ao atacar os concursados como analfabetos políticos, Lula confessou a prática dos malfeitos como forma inevitável da real política, ignorada pelos frequentadores de gabinetes. 

Lula tentou explicar ou se explicar falando do mundo da política, onde um partido com 50 deputados numa Câmara de 513 deve buscar ter maioria. Deixou subentendido que só os analfabetos políticos, ingênuos, não percebem que a cooptação a todo custo de deputados era uma via obrigatória, pois só assim se obteria a governabilidade. 

São na visão de Lula dois mundos inconciliáveis: o da política, próprio da esperteza de a cada eleição ir ao povo buscar votos, numa catarse purificadora; e o mundo do esforço contínuo daqueles que pretendem vencer pelo merecimento.
Lula não é um analfabeto político; é, segundo o seu critério, um homem honesto, por mais acusado que seja de corrupção. Lula, que confessou sua “honestidade”, tem um futuro desolador pela frente. 

(*) MIGUEL REALE JÚNIOR É ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR SENIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

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