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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


domingo, 2 de abril de 2017

Jovita Feitosa. Heroína trágica da guerra maldita

Matéria do jornal O POVO, edição de 02-04-2017.
Ela vestiu-se de homem para lutar uma guerra sem propósito, foi usada como instrumento de propaganda pelo Império e teve desfecho misterioso

Nesta semana, o nome de uma cearense morta há 150 anos, aos 19, passou a figurar no Livro dos Heróis no Panteão da Pátria e da Liberdade. Conhecida pela maioria como avenida de acesso à zona oeste de Fortaleza, Antônia Alves Feitosa — a Jovita Feitosa — é inocente personagem de uma história misteriosa e trágica.

Disfarçou-se de homem para tentar lutar no mais brutal e despropositado conflito armado da história da América do Sul. “Maldita guerra”, nas palavras do Barão de Cotegipe. Não teve permissão para combater no Paraguai, mas foi explorada como instrumento de propaganda pelo Império. Na versão oficial, cometeu suicídio ao ser abandonada por um amor.

Nasceu em Brejo Seco, local que seria o atual município de Araripe, em 8 de março de 1948, naquele que, 129 anos mais tarde, seria declarado pelas Nações Unidas o Dia Internacional da Mulher. Perdeu a mãe em epidemia de cólera e foi morar com tio na vila de Jaicós, no Piauí. Ao tomar conhecimento da invasão das tropas de Solano López a Corumbá (no então Mato Grosso), decidiu se alistar no corpo de Voluntários da Pátria. Como ouviu dizer que mulheres não eram aceitas no Exército, cortou os cabelos a faca, amarrou os seios com uma cinta, vestiu as roupas do tio e seguiu para se alistar em Teresina. Foi descoberta por uma feirante e denunciada.

“Voluntários” era forma de dizer. A elite fazia doações ou entregava escravos para os filhos não irem. Mas, pobres eram caçados e levados à força. Alguns se fantasiaram de mulheres para não combater. Jovita era a antítese disso.

Sabia atirar, tinha vontade de lutar e estava disposta a aprender o que lhe ensinassem. Era mais do que ofereciam praticamente todos os homens. Como não havia norma que proibisse, o comando militar piauiense não apenas a aceitou nos treinamentos. Deu a ela divisas de primeiro sargento. Passou a usar farda com saiote.

Ela foi ainda informada de que chegaria do Rio de Janeiro um jornalista interessado em escrever sobre ela. Afinal, logo se percebeu que a jovem de 17 anos era poderoso instrumento de propaganda de guerra, apresentada como exemplo de coragem enquanto homens fugiam. Foi recebida com honras em São Luís e Recife. No Rio de Janeiro, os “Voluntários” foram homenageados no Theatro São Pedro e Jovita recebeu aplausos entusiasmados. Porém, em 16 de setembro de 1865, foi informada pelo Ministério da Guerra de que não poderia integrar o corpo de combatentes, mas apenas “serviços compatíveis com a natureza do seu sexo”.

O que ocorreu depois é motivo de mistério. Teria vivido romance com o engenheiro Guilherme Noot, cuja casa pegou fogo em outubro de 1867. Dentro foi encontrado corpo de mulher carbonizado, com punhal encravado no peito.
Jornais informaram que seria Jovita. Conforme as notícias, cometeu suicídio ao saber que Noot retornaria à Europa. Nunca ficou claro como reconheceram o corpo carbonizado e depois se soube que Noot jamais tinha saído do Rio. Havia perguntas não respondidas, mas o assunto foi deixado para lá.

O desfecho talvez tenha sido outro. Em outubro de 1865, Jovita escreveu carta publicada na imprensa na qual agradeceu ao carinho popular e informou que retornaria ao Piauí. Mas, tinha plano diferente. Contou a Noot que pediria ao cabo Euzébio, que conhecera na viagem ao Rio, para levá-la ao front de batalha como sua mulher. Prestaria serviços de vivandeira, ajudaria com os feridos e cuidaria das coisas de Euzébio. Não há registros de que realmente tenha ido. Todavia, havia uma mulher combatente em campos paraguaios. Atirava bem, matava sem hesitar. Na maior parte do tempo, dedicava-se ao cuidado dos feridos, a quem levava para a brava enfermeira Ana Néri.

Quando o cabo que a levou como companheira morreu, tomou a farda dele, manteve o cabelo cortado bem rente e passou a guerrear.

Na batalha de Acosta Ñu, em agosto de 1869, a brava mulher morreu em incêndio. Era chamada Maria ou, por vezes, Florisbela. Jovita?

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