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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Cachorro vivo --- por José Roberto Guzzo (*)


Não é preciso mais nada para arruinar a biografia de Lula, mas a carta-denúncia do ex-ministro Palocci deixa ainda pior o que já era um perfeito desastre 
Depois de um ano de boca fechada, o PT descobriu, de um minuto para o outro, que Palocci era um homem mau (Reprodução/Reprodução)

É muito provável que não haja em nenhum outro episódio da história recente do Brasil nada que se compare, em matéria de estupidez terminal, ao conjunto de decisões que o PT tem tomado sobre o ex-companheiro Antonio Palocci. O que está acontecendo com essa gente? Sabe-se, há muito tempo, que todas as suas altas esferas, e principalmente a esfera mais alta de todas, vêm vivendo um processo acelerado de decomposição mental – desde que todos caíram em desgraça pela corrupção sem limites que patrocinaram durante treze anos e meio e começaram a viagem do céu da máquina pública ao inferno da justiça penal. Mas o que fizeram com esse Palocci desafia qualquer imaginação.

Era um escândalo aberto e agressivo que o PT se mantivesse em silêncio absoluto durante um ano inteirinho, desde que o ex-vice-Deus dos governos Lula foi para a cadeia acusado de roubar somas monstruosas de dinheiro – nenhuma palavra, nenhuma crítica, nenhum pedido de desculpas. Como 100% dos outros membros do partido processados e condenados por corrupção, Palocci tinha direito ao tratamento de vítima – vítima “deles”, como diz Lula, os que não toleram as suas “reformas sociais” e não aceitam sua volta à “presidência” deste país. De repente, o mesmíssimo Palocci, o trotskysta de Ribeirão Preto que dividiu mesa, sala e ante-sala com Lula, como o mais poderoso agente de seu governo, diz à justiça o que sabe sobre o ex-presidente – aliás, uma parte do que sabe; os detalhes virão logo mais. Pronto: o mundo caiu. Depois de um ano de boca fechada, o PT descobriu, de um minuto para o outro, que Palocci era um homem mau.

Manifestou o seu horror. Decidiu, com aquela valentia em chutar cachorro morto que resume tão admiravelmente o mundo moral dos seus dirigentes, punir o companheiro. Mesmo nesse fundo de poço, não tiveram coragem suficiente para expulsar o homem: decidiram-se por uma “suspensão de 60 dias”. Que diabo quer dizer isso? Alguém seria capaz de dizer quais atividades Palocci vinha exercendo no PT dentro da cadeia? Foi proibido de fazer o que, exatamente? O Judas vai continuar convivendo com os Doze Apóstolos e com o próprio Cristo? Parece que sim: afinal, quem não é posto para fora continua do lado de dentro.


Mas parecia que sim, apenas. Logo se viu que a catástrofe era muito pior – e que cachorro morto às vezes pode morder. Não só o companheiroPalocci recusou a advertência, e mandou para o PT um aviso de que era ele, Palocci, quem estava saindo – uma maneira mais ou menos educada de dizer onde, exatamente, o partido podia enfiar o seu decreto de suspensão. Muito pior que isso, o homem de confiança número 1 de Lula escreveu uma carta aberta fazendo um resumo, sem disfarces, do que sabe sobre a Divindade Superior do PT. É um documento absolutamente devastador . Não se trata de provas, que ficarão para depois. Trata-se simplesmente da verdade, o que é muito pior. Sabe-se muito bem, e há muito tempo, que a reputação moral do ex-presidente está em ruínas, e não precisa de mais nada para dissolver-se ainda mais.

 Mas a carta de Palocci tem o efeito-bomba de ser um documento, por escrito, para a História – seu texto, muito simplesmente, não poderá ser ignorado por nenhum historiador sério, entre todos os que vão escrever sobre nossa época. Há desânimo, até mesmo, entre a gente de boa fé que ainda optava por “relativizar” as depredações que Lula faz há anos na vida pública do Brasil. Também eles começam a se cansar.
(*) José Roberto Guzzo é jornalista da revista VEJA

Um comentário:

  1. A esta altura não há um só brasileiro que desacredite no Palocci. Todos entendem que o que ele está falando é a mais pura verdade.

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