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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Maria de Bil: Uma santa contra o feminicídio

Fonte; jornal O POVO, 23/01/2018
Morta pelo marido em Várzea Alegre, a jovem Maria de Bil se imortalizou pela devoção popular e agora chega aos palcos na peça Aquelas

De início, uma contradição: Maria entrou para a história carregando o nome do homem que a matou. “Algumas pessoas, em Várzea Alegre, chamam a capela que foi feita para ela de ‘Capela de Bil’, o que acaba tirando ele do lugar de algoz para virar quase o santo da história”, reclama a atriz Monique Cardoso, que mergulhou na história da mulher morta pelo marido para montar a peça Aquelas - uma dieta para caber no mundo. O espetáculo, do Coletivo Manada, faz curta temporada no próximo fim de semana no Sesc Iracema.

A trajetória de Maria de Bil, simbolizada agora nos palcos, despertou devoção no Centro-Sul do Estado por meio da dor. Em 1926, quando estava grávida do terceiro filho, ela se desentendeu com o companheiro ao descobrir que ele estava tendo um caso com a irmã dela, Madalena. Contrariado com as negativas da esposa magoada com a dupla traição, Bil se achou no direito de dar fim à vida de Maria. No dia onze de março daquele ano, montou emboscada e esfaqueou a mulher num matagal que hoje abriga uma capela.
“A devoção em Maria de Bil está totalmente implicada com a morte cruel de uma mulher grávida, que se tornou milagrosa. Existe uma identificação com o sofrimento desta mulher, reforçado também pelas situações sofridas que passam vários nordestinos”, investiga Daniele Alves, que realiza pesquisa sobre mulheres santificadas no doutorado em Sociologia da Universidade Federal do Ceará.

O pai da vítima foi o primeiro a por uma cruz no local exato onde a filha foi morta. Logo após, outros moradores de Várzea Alegre começaram a visitar o espaço para pagar promessa e, a partir disso, milagres foram sendo atribuídos à Maria. A crença popular ganhou fama no Interior e todo mês de março tem procissão para a mártir — experiência religiosa que serviu de inspiração para a construção dramatúrgica de Aquelas. Monique e sua parceira de cena, Juliana Veras, acompanharam o percurso de perto, ouvindo relatos de muita emoção.

Na pesquisa para a peça porém, uma triste constatação se impôs: o que Maria de Bil viveu em 1926 é ainda muito presente no País de hoje. “Eu me pergunto quando não vamos mais precisar montar um espetáculo sobre o feminicídio. Quando será que acordaremos e perceberemos que não temos direito de posse uns pelos outros. Às vezes parece que estamos voltando no tempo, cometendo erros que nossos antepassados cometeram”, lamenta Juliana.
“O feminicídio é um fenômeno muito presente no Ceará, quase sempre em consequência da desigualdade de gênero, que envolve ciúmes, não aceitação da separação, dominação disfarçada de amor”, pondera Daniele.
Peça Aquelas
Quando: 26, 27 (às 20 horas) e 28 (às 19 horas) de Janeiro
Onde: Sesc Iracema (R. Bóris, 90 - Praia de Iracema)
Quanto: R$ 20 (Inteira)
Informações: 3035.3395

Um comentário:

  1. Prezado Armando - Os padres e a igreja de Várzea-Alegre não tiveram o devido cuidado com a historia de Maria. Náo sabem nem onde estão sepultado os restos mortais. Outro dia um metido a historiador disse : Maria era pobre........

    Por incrível que pareça é verdade.

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