Publicado na "Folha de S.Paulo", 11-02-2018
Quanto melhor venha a ser o desempenho de Lula, maior será a chance de vitória de Bolsonaro em 1º turno
Existe a possibilidade de que a candidatura de Lula ajude a definir a
eleição no primeiro turno com um presidente eleito por menos de 25% do
eleitorado brasileiro.
Ao que tudo indica, Lula deve requerer seu registro de candidatura junto ao TSE.
É direito seu defender a sua elegibilidade e participar do pleito
durante o processo judicial, podendo, segundo o artigo 16-A da lei nº
9.504/97, “inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na
televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver
sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos
condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior”.
Ocorre que, a despeito dos votos que obtenha, a participação de Lula
termina no primeiro turno e ele não conseguirá chegar ao segundo sem um
registro definitivo.
É o que diz a
Constituição: “será considerado eleito presidente o candidato que,
registrado por partido político, obtiver a maioria absoluta dos votos,
não computados os em branco e os nulos” e “se nenhum candidato alcançar
maioria absoluta na primeira votação, far-se-á nova eleição ...,
concorrendo os dois candidatos mais votados e considerando-se eleito
aquele que obtiver a maioria dos votos válidos”.
Assim, se depois do primeiro turno Lula não estiver registrado, seus
votos serão considerados nulos e, como manda a Constituição, não serão
computados para a proclamação do eleito ou dos concorrentes no segundo
turno.
O inusitado disso é que
quanto mais sucesso Lula venha a fazer junto ao eleitorado, menos votos
precisam ter os demais candidatos para uma eventual definição do eleito
no primeiro turno.
A conta é
fácil: se a eleição se define apenas com votos válidos, desprezados os
nulos e brancos, quanto mais votado venha a ser Lula maior será o número
dos votos nulos e menor será a base de cálculo para a definição do
vencedor no primeiro turno, dentre os candidatos registrados.
Considerando os números da eleição de 2014, tem-se o seguinte: o
eleitorado brasileiro era composto de 142.822.046 eleitores.
Compareceram 115.122.883, dos quais 104.023.802 apresentaram votos
válidos e 11.099.081 apresentaram votos nulos ou em branco.
Assim, em 2014 a eleição teria se definido no primeiro turno se um
candidato obtivesse 52.011.902 votos, correspondentes a pouco mais que
50% dos válidos ou a 36% do eleitorado brasileiro.
No último Datafolha, o petista tinha a preferência, num dos cenários,
de 36% dos votos válidos; na segunda colocação estava Jair Bolsonaro
(18%), à frente de Geraldo Alckmin (7%), Ciro Gomes (7%) e de Alvaro
Dias (4%), dentre outros.
Aplicado esse percentual do petista ao último pleito, a pesquisa revela
que Lula obteria 37.448.569 de votos, de modo que o número de válidos
cairia de 104.023.802 para 66.349.996. Nesse caso, o candidato que
obtivesse 33.287.618 de votos seria eleito no primeiro turno.
Teríamos, portanto, um presidente eleito com minguados 33,2 milhões de votos ou 23,3% de todo o eleitorado brasileiro.
Constata-se um paradoxo: quanto melhor venha a ser o desempenho do
candidato de esquerda, maior será a chance do candidato de direita —
considerados os dois primeiros colocados no Datafolha.
Resta uma incômoda indagação: que legitimidade terá um presidente
eleito por apenas 23,3% do eleitorado, num país que se encontra tão
desorganizado e dividido na sua política interna?
Em suma, o preço da candidatura de Lula transcende a autoafirmação de
seus valiosos direitos — essa conta pode onerar a todos os brasileiros.
(*)
RICARDO PENTEADO é advogado especialista em direito eleitoral e
direitos políticos. É membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral
e Político. Foi coordenador jurídico das campanhas à Presidência de
José Serra (2010) e Marina Silva (2014), entre outras
Veja só quão vergonhosa é a justiça brasileira. Um criminoso condenado, "iniquidado" tem o direito de concorrer, usar o horário eleitoral. Por essa razão é uma lei que só é respeitada e entendida quando convém.
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