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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


domingo, 24 de março de 2019

CARIRIENSIDADE -- por Armando Lopes Rafael


No tempo em que se ensinava a História do Cariri

   Embora hoje não conste mais da grade curricular do ensino superior, houve um tempo em que era ministrado – na extinta Faculdade de Filosofia do Crato – a disciplina “História do Cariri”. Em 1964, o professor e historiador J.de Figueiredo Filho publicou o 1º volume (de uma série de quatro livros que viria a escrever) sobre a “História do Cariri’. A obra era destinada às aulas, por ele ministradas, na Faculdade de Filosofia do Crato, cujos cursos seriam posteriormente encampados para a formação da atual Universidade Regional do Cariri (URCA). J. de Figueiredo Filho esclareceu no primeiro volume da sua obra “História do Cariri” que sua intenção ao escrever este livro: “destina-se aos meus alunos e também servirá como orientação ao ensino da história regional, nos estabelecimentos secundários, nos grupos escolares e escolas isoladas”

Quem foi J. de Figueiredo Filho

  José Alves de Figueiredo Filho (foto ao lado), farmacêutico por formação, foi também professor, escritor, historiador, memorialista, tendo nascido em Crato em 1904. Foi um dos principais intelectuais da região do Cariri cearense. Um dos fundadores do Instituto Cultural do Cariri, em 1953, uma instituição difusora da história e da cultura da região sul-cearense. 

    Com a criação da Faculdade de Filosofia de Crato, em 1960, J. de Figueiredo Filho assumiu o cargo de professor do Departamento de Geografia e História daquela escola de ensino superior, na qual ministrou as disciplinas de História do Cariri e do Ceará. Foi, ainda, membro da Academia Cearense de Letras e sócio da ANPUH (Associação Nacional de Professores Universitários de História).

A obra cultural de J. de Figueiredo Filho

   
     Em 1958 o Ministério da Agricultura do Brasil publicou o livro “Engenhos de Rapadura do Cariri”, de J.de Figueiredo Filho, um clássico na temática da produção da rapadura.Ele deixou 16 livros publicados.

     O mais conhecido é o autobiográfico: “Meu mundo é uma farmácia”. Sua vasta obra é polivalente. Estreou na literatura, em 1937, como romancista, com a obra “Renovação”, publicado pela Editora Odeon, do Rio de Janeiro, à época capital do Brasil. Na década 40 do século passado, Figueiredo Filho já escrevia – para os jornais de Fortaleza e Recife – sobre as reservas paleontológicas do Cariri.

     Ele foi a alma da fundação do Instituto Cultural do Cariri–ICC. Figueiredo Filho foi o editor, por longos anos, da revista “Itaytera”, órgão oficial do ICC. Escreveu dois livros sobre as manifestações da tradição popular no Cariri e um sobre Patativa do Assaré. Faleceu em 1973.

J. de Figueiredo Filho e o resgate da Caririensidade


    O prof. Hildebrando Maciel Alves acaba de concluir seu Mestrado – na área de História – na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Título da monografia dele: “A face historiadora de J. de Figueiredo Filho e a construção do Cariri cearense”. Hildebrando aprofundou a análise de construção do passado do Cariri, a partir dos escritos de J. de Figueiredo Filho. Este – juntamente com um grupo de notáveis carirenses – foi responsável pelo movimento da defesa intransigente da região sul do Ceará, num trabalho de valorização do torrão natal e divulgação da caririensidade.

     Essa plêiade de bons intelectuais promoveu diversas ações – nas décadas de 40 a 70 do século passado – restaurando a memória do nosso passado regional. Para tanto, escreveram livros e artigos; promoveram solenidades; reconstruíram calendários cívicos; recuperaram o panteão dos heróis caririenses; fundaram entidades culturais e o Museu Histórico de Crato, o qual, infelizmente – nos últimos anos –, vem sendo malcuidado, dada a falta de uma boa gestão por parte do Poder Público Municipal, a quem – em má hora –, o museu foi entregue. (Para ler a íntegra da monografia de Hildebrando clique: (http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/173614).

Sobre a data de nascimento do Padre Cícero 
       Este 24 de março de 2019 assinala os 175 anos de nascimento do Padre Cícero Romão Batista, na então Vila Real do Crato. Está exposto na Capela Batismal da Catedral de Crato um quadro com a Certidão de Batismo do Padre Cícero. Reproduz a fotocópia da folha 61 do Livro de Batizados de 1843 a 1845 – onde consta literalmente:

     “Cícero, filho legítimo de Joaquim Romão Batista Meraíba, e de sua mulher Joaquina Ferreira Castão. Nasceu em 23 de março de 1844 e foi batizado pelo pároco solenemente com santos óleos nesta cidade do Crato em 8 de abril do mesmo ano. Foram seus padrinhos seu avô paterno Romão José Batista e Antônia Maria de Jesus, do que para constar mandei fazer este assento em que me assino. Manuel Joaquim Aires do Nascimento”.

      Há no registro um engano. Como se sabe, o nascimento do Padre Cícero foi sempre comemorado a 24 de março. Quando de sua estada em Roma, em carta datada de 24 de março de 1898, endereçada a sua mãe, o próprio Padre Cícero escreveu: “Hoje, que faço 54 anos e véspera da anunciação da Mãe de Deus…”

Um Historiador explorou essa troca de datas
Dois bispos: Dom Edimilson Neves (de Tianguá) e Dom Gilberto Pastana (de Crato) examinam a pia de batismo, da Catedral de Crato,  na qual, provavelmente, o Pe. Cícero foi batizado

     Otacílio Anselmo, no livro “Padre Cícero Mito e Realidade” enxergou nessa troca um sinal da “vaidade doentia” do famoso sacerdote. Segundo Otacílio, feito com o intuito de vincular seu aniversário natalício ao dia 25 de março, quando a Igreja Católica festeja a Anunciação à Virgem Maria. Ora se o Pe. Cícero tivesse tido essa intenção, teria logo mudado para o dia 25, data da efeméride. Já o médico-historiador cratense Irineu Pinheiro, autor de “Efemérides do Cariri” fez constar neste livro: “Sempre sua família, seus amigos e ele próprio festejaram seu aniversário natalício no dia 24 de março…”.

     Controvérsias à parte, o registro no livro de batismo dando a data de 23, ao invés de 24 de março, pode ter sido apenas um lapso normal, bastante corriqueiro nas anotações nos Livros de Batismo de antigamente, fruto, quem sabe, de pequeno engano na anotação do vigário Manuel Joaquim Aires do Nascimento, quando da transcrição.  Sabe-se que, naqueles tempos, os registros da Igreja eram anotados manualmente. Usava-se, para tanto, canetas de bico de pena, que eram mergulhadas no tinteiro. As palavras escritas eram enxugadas com um mata-borrão. Antes de efetuarem os registros dos batizados já realizados, os padres faziam rápidas anotações em folhas de papel almaço, as quais, depois, eram transcritas no Livro de Batizados.  
       O Vigário de Crato talvez tenha se equivocado anotando “23” ao invés de 24 de março no tocante a data de nascimento de Cícero Romão Batista.

Outra controvérsia: em que casa nasceu o Padre Cícero? 

Palácio Episcopal Bom Pastor, em Crato, provável local do nascimento do Padre Cícero

    Outra divergência, entre os historiadores regionais, diz respeito a residência onde teria nascido, na cidade do Crato, o Padre Cícero Romão Batista. A primeira versão - defendida por Irineu Pinheiro - diz que o famoso sacerdote veio ao mundo numa casa, do lado do sol, existente na atual Rua Miguel Limaverde. A casa pertencia ao coronel Pedro Pinheiro Bezerra de Menezes, e posteriormente fora desmembrada em duas residências. Ambas demolidas, quando do alargamento daquela rua, no início da década 1980, na fúria insana de destruir o que restava do patrimônio arquitetônico do Crato, para dar lugar à passagem de veículos automotores.

     A outra versão defende que o Padre Cícero nasceu numa casinha, no terreno onde hoje se ergue o Palácio Episcopal, na atual Rua Dom Quintino, à época denominada de Rua das Flores. Irineu Pinheiro defendia o imóvel da Rua Miguel Limaverde, como o local do nascimento do Padre Cícero, baseado em depoimento de uma escrava da família do sacerdote, conhecida como “Teresa do Padre”, mulher humilde e bastante estimada na cidade de Juazeiro do Norte, onde gozava a fama de uma pessoa virtuosa e de credibilidade.

      Entretanto, o Padre Antônio Gomes de Araújo, contestou a versão de Irineu Pinheiro escrevendo: “Teresa do Padre, já começava a mergulhar no crepúsculo da própria memória, cuja desintegração começara”. Ou seja, a boa velhinha caminhando para os cem anos de idade, já não dominava mais a própria memória, deficiência física a que estamos sujeitos todos nós, os seres humanos, quando a velhice nos domina".

       A versão de que o Padre Cícero nasceu numa casinha simples, onde hoje é o Palácio do Bispo, tem diversos defensores. Segundo depoimento prestado, ao Padre Antônio Gomes de Araújo,  pelo cônego Climério Correia de Macedo (incluído no livro A Cidade de Frei Carlos) afirmou o cônego: “Minha tia paterna, Missias Correia de Macedo, cortou o cordão umbilical do Padre Cícero numa casa que foi substituída pelo palácio de Dom Francisco" (referia-se ao atual Palácio Episcopal construído por Dom Francisco de Assis Pires, segundo bispo da diocese do Crato). 

      E continua Padre Gomes no seu livro citado: “É corrente que, no chão em que se ergue aquele palácio, havia de fato uma casa, que foi cenário, por exemplo, da recepção do Padre Cícero quando este chegou do Seminário de Fortaleza, ordenado sacerdote, bem como das festas que envolveram a celebração de sua primeira missa. É certo que dita casa pertenceu ao major João Bispo Xavier Sobreira (...) com sua morte a dita casa passou à viúva, dona Jovita Maria da Conceição. Seus herdeiros venderam a casa a esta diocese”.

      Assim, tudo está a indicar que o Padre Cícero veio ao mundo na casinha simples, entre fruteiras, localizada no terreno onde hoje se ergue o Palácio Episcopal. Deixamos nossa sugestão para que o Governo do Ceará e a Prefeitura do Crato providenciem a colocação de uma placa, assinalando o local onde nasceu um dos mais conhecidos sacerdotes católicos do Brasil, o ilustre filho do Crato, Padre Cícero Romão Batista. É uma forma de preservar a memória histórica de Crato, tão ultrajada e descaracterizada por administradores insensíveis e de poucos conhecimentos culturais...

Um comentário:

  1. Prezado Armando - Sua postagem é um jornal noticioso do mais elevado valor. Todo aquele que se dedica a conhecer a história e memória da região encontra aqui as respostas para seus questionamentos.

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