Gravura de 1759 mostrando o martírio da família Távora, nas proximidades da Torre de Belém
O Rei Dom José I – bisavô do nosso Imperador Dom Pedro I –, reinou em Portugal entre 1750 e 1777. Teve como Primeiro-Ministro, o cruelíssimo e impiedoso Marquês de Pombal. Este, governou o reino com mão de ferro. Pombal alimentou, ao longo da sua vida, profunda inveja contra algumas famílias aristocráticas de Portugal.
Em relação ao clã dos Távoras – mais do que inveja –, Pombal nutria por
eles um sentimento de ódio. Provavelmente porque a família Távora não
somente fosse riquíssima. Ela tinha ramificações (e exercia influência)
noutras casas nobiliárquicas portuguesas, a exemplo das de
Aveiro, de São Vicente, de Alorna, de Atouguia e de Cadaval. Todas
faziam discreta restrição ao comportamento do Marquês de Pombal.
Os Marqueses de Távora – Leonor e Francisco de Assis – possuíam um
filho, Luís Bernardo, pessoa de muito destaque em Lisboa, casado com
Teresa de Távora e Lorena. Era do conhecimento geral que o Rei Dom José I
mantinha um relacionamento amoroso com essa nora dos Marqueses de
Távora. Estes, sofriam muito com a situação moral de Teresa de Távora e
Lorena. E viviam aconselhando o filho Luís Bernardo a se separar da
esposa adúltera.
Diz o livro dos Salmos 5,3-6: “os
lábios da mulher adúltera no fim das contas, deixam um sabor amargo,
uma ferida feita como que por uma aguda espada de dois gumes. Os seus
comportamentos conduzem à morte”. Consta nos registros históricos
que, na noite de 3 de setembro de 1758, Dom José I, retornava para casa,
incógnito numa carruagem, depois de um encontro com a amante. No meio
do caminho, a carruagem foi interceptada por três homens que dispararam
contra o Rei. Dom José I ficou apenas ligeiramente ferido no braço. Mas o
Marquês de Pombal tomou a si a apuração desse atentado. Dois empregados
dos Távoras foram presos e torturados até declararem que o atentado
teria partido dos seus patrões.
Armas da Família Távora. Encimando, um golfinho; as águas azuis representam o Rio Távora, que banha uma vila da Província de Trás-os-Montes, local de origem desta família,. O Rio Távora é afluente do Rio Douro.
O Marquês de Pombal não divulgou o atentado de imediato. Antes disso,
mandou prender a família Távora (adultos e crianças), o Duque de Aveiro,
e até o Padre Jesuíta Gabriel Malagrida (confessor de Teresa de Távora e
Lorena). Este sacerdote foi, posteriormente, enforcado. O Marquês de
Pombal aproveitou a acusação de “regicídio” (tentativa ou
assassinato de reis) para expulsar todos os Padres Jesuítas de Portugal,
desejo que alimentava há muito tempo. No dia seguinte ao atentado, o
filho do Marquês, Luís Bernardo e o Duque de Aveiro foram enforcados.
Nas semanas seguintes a Marquesa Leonor de Távora, o seu marido
Francisco de Assis, e todos os seus filhos, filhas e netos foram
encarcerados. Todos acusados de “alta traição” e “regicídio”. Os bens da
família Távora foram confiscados pela Coroa. A casa dos Marqueses de
Távora foi destruída e o terreno onde estava edificada foi salgado, para
que, naquele chão, nem vegetação nascesse.
O processo contra os membros do clã Távora tornou-se o caso judicial
mais famoso da História de Portugal. À época, poucas pessoas
acreditaram nas acusações feitas contra aquela família. A começar pela
Princesa-herdeira do Trono (que viria a ser a futura Rainha Maria I).
Ainda hoje este é o sentimento entre os historiadores que se debruçam
para pesquisar esse trágico episódio.
Infelizmente, o plano traçado pelo Marquês de Pombal – para tentar
apagar a semente dos Távoras da face da terra – foi executado como ele
planejou. No entanto, alguns Távoras conseguiram fugir para o Brasil.
Enquanto isso, no dia 13 de janeiro de 1759, num local ermo, nas
proximidades da torre de Belém, antecedendo à execução pública dos
acusados, diversos membros da aristocracia e da alta nobreza portuguesa
também foram torturados, expostos à humilhação pública e, por fim,
decapitados. Os restos dos seus corpos foram queimados, com todo
requinte de perversidade, e suas cinzas espalhadas no Rio Tejo.
Morto Dom José I, em 1777, aos 62 anos, subiu ao trono sua filha, a
agora Rainha Dona Maria I (avó do nosso Imperador Dom Pedro I). Ela,
como um dos primeiros atos do seu reinado, mandou perdoar os Távoras e
devolveu o patrimônio que havia sido desapropriado ilegalmente à família
trucidada.
***
O que aconteceu com os poucos Távoras que fugiram para o Brasil? Aqui
adotaram outros sobrenomes, como “Silva” e “Fernandes”, para escapar de
novas perseguições. Os descendentes desses fugitivos, residentes no
Ceará, destacaram-se como homens íntegros e ocuparam funções e cargos
relevantes no Brasil. Dentre eles, Juarez, Manuel e Franklin Távora
(irmãos) e Virgílio Távora (sobrinho). Alcançaram eles as mais elevadas
patentes no Exército Brasileiro; Juarez Távora foi candidato a
Presidente da República Brasileira, em 1955; Manuel e Virgílio Távora
governaram o Ceará em três ocasiões. Também foram Senadores, Deputados,
Ministros de Estado. Outros membros dessa família se destacaram como
jornalistas, advogados, bispos, sacerdotes...
Atribui-se ao Monsenhor Fernandes Távora (ele foi Vigário de Crato entre 1883 a
1889) o restabelecimento do uso do sobrenome “Távora” entre os
descendentes brasileiros. Consta que o Monsenhor quis cursar a Academia
dos Nobres Eclesiásticos, em Roma. Dificilmente essa Academia admitia
sacerdotes sem linhagem de aristocracia ou padres estrangeiros.
Monsenhor Fernandes Távora viajou à Lisboa. Pesquisou e restaurou, no
Brasil, o nome dessa família, o qual estava proscrito, desde 1759, em
Portugal.
(Esta
crônica é dedicada a três meninas nascidas no Cariri cearense: Lara, Lia
e Maria, minhas netas, filhas de Carolina e Leonardo, que carregam no
Registro Civil o sobrenome Távora, herdado do pai delas)
Livro do historiador José Norton sobre a epopeia dos Távoras. A bibliografia sobre o tema é vasta
(*) Armando Lopes Rafael é
historiador, licenciado pela Universidade Regional do Cariri. Sócio do
Instituto Cultural do Cariri e membro-correspondente da Academia de
Letras e Artes Mater Salvatoris, de Salvador (BA). Em 2016 foi agraciado
com a Comenda da Ordem Equestre de São Silvestre Papa, pelo atual Papa
Francisco, no grau de Cavaleiro.
Prezado Armando - Outro dia, na Praça Siqueira Campos, um "Marques de Pombal" da atualidade, por má fé ou ignorância, tentou colocar um Távora, O Virgílio no mesmo balaio de gato dos políticos cearenses depois dele. Recebeu a minha oposição de imediato. Virgílio, que não sei se faz parte da descendência dos Tavoras que você destaca na sua portagem tinha o caráter, honestidade e a decência que falta a muitos.
ResponderExcluirTemos de reconhecer: o autor do artigo fez uma pesquisa profunda, séria e se houve muito bem na redação. Artigo interessantíssimo.
ResponderExcluirCaro Morais:
ResponderExcluirDomingo último, você me presenteou com um excelente livro: “Virgílio Távora– O Estadista Cearense”. Li-o de um fôlego!
Como Virgílio é legítimo descendente dos Távoras massacrados pelo danoso Marquês de Pombal, este livro me inspirou a pesquisar (e publicar) um artigo sobre os notáveis Távoras de Portugal.
Virgílio foi, também, um legítimo continuador dos ideais dos seus ancestrais portugueses. Virgílio Távora foi um homem público honesto, digno, inteligente e veraz. Certamente o espírito dele está junto ao nosso Criador– O Todo `Poderoso Senhor do Céu e da terra.
Virgílio só fez o bem na sua passagem pela terra. Tenho muita admiração por ele.