O padre e as duas malas - Doce de Pimenta, Livro do Dr. Mozart Cardoso de Alencar.
Era um ano de copioso inverso. O Bispo havia transferido o padre de uma paróquia para outra. A saída da cidade tinha que ser feita atravessando obrigatoriamente o leito de um rio, que passava ao pé do subúrbio, e nesse dia o rio estava cheio, transbordando.
O padre chega à margem do rio e entrega duas malas ao caboclo, dono de uma balsa de paus flutuantes com que explorava o comercio do transporte de pessoas e de cargas para a outra margem.
Entrega as malas e vai dizendo: Seu Zé, preste bem atenção: essa mala aqui é da igreja, ela conduz cousas sagradas: o cálice, a âmbula, as hóstias, as galhetas de vinho, paramentos, opas, quadros e estatuetas de santos, tenha todo cuidado com ela! Essa outra é a mala que leva minhas roupas e meu dinheirinho.
O caboclo lança-se sobre o dorso dos vagalhões das águas barrentas guiando a frágil embarcação. Poucos minutos depois, lá do meio do rio, grita o caboclo: Seu padre, o peso é demais! A balsa vai virar! É preciso empurrar dentro do rio uma das malas, qual é a que eu salvo?
Ao que o Padre, aflito, em desespero, respondeu: Salve a do dinheiro – E o poeta ironizou:
Salve a mala do dinheiro!
Deixe a do santo afogada!
Com dinheiro eu compro santo!
Com santo eu não compro nada!
Infelizmente, pra muitos a coisa parece ser assim.
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