O país vive um semipresidencialismo irresponsável.
Na política, você não escolhe interlocutor; dialoga com o que se oferece. Quando foi deposto pela ditadura militar da presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo dos Campos, em São Paulo, Lula seguiu negociando reajuste de salários com o então ministro do Trabalho, Murilo Macedo.
Foi no início dos anos 1980. Lula fazia de conta que Macedo não era um dos seus algozes, e o ministro, que Lula ainda estava no comando do sindicato, ou que pelo menos ali ainda dava as cartas. E dava, de fato. Os dois se reuniram muitas vezes às escondidas numa fazenda de Macedo. O governo sabia, mas fingia que não.
Era importante para Lula arrancar do governo benefícios que nas assembleias do estádio da Vila Euclides prometera à massa de operários que acreditava nele. A continuidade de sua liderança dependia também disso. Ao governo interessava que a insatisfação operária não ultrapassasse os limites da região do ABC paulista.
Lula, à época, tinha seus 30 e tantos anos; agora, 77. Não deve ter desaprendido a negociar. Certamente não desaprendeu a avaliar sua força e a dos adversários. Pode ser menos paciente, a lamentar que o tempo tenha avançado tornando as coisas mais difíceis para ele. Bem, mas não foi obrigado a estar onde está hoje. Quis.
No país já existiu um regime chamado de presidencialista. Nele, acima de tudo, mandava o presidente da República. Mesmo assim, um deles matou-se porque queriam derrubá-lo. Outro renunciou porque queria mais poder. Um foi vítima de golpe. O Congresso derrubou dois por meio de um processo de impeachment.
Na prática, o semipresidencialismo foi inaugurado no governo de Temer e chegou ao ponto que está no de Bolsonaro. Para o único presidente que tentou se reeleger e não conseguiu, o fortalecimento do Congresso pouco se lhe dava. O que queria era construir um regime autoritário travestido de democracia.
Lula acabou herdando um semipresidencialismo sem responsabilidade. O Congresso pode quase tudo, jamais pôde tanto, e sua responsabilidade é zero. O governo que arque sozinho com as consequências dos seus atos. Não importa ao Congresso que a maioria dos brasileiros tenha aprovado o programa de Lula.
A julgar pelos seis primeiros meses o governo servirá apenas para o Lula se vingar de seus desafetos. Nesse ponto Lula conta com o apoio de muita gente que como ele se envolveu em escândalos de corrupção.
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