O Cariri é um monturo de mitos. Grande parte de seus escritores cavoucam essas minas de sobenças e sempre se deparam com novidades arqueológicas. Essa antologia Se não foi assim, eu grele! é uma amostra do potencial investigativo desses escritores, quase todos membros do ICC (Instituto Cultural do Cariri).
O interessante é que o leitor fica com a certeza de que essas “escavações”, buscando nossos primórdios, têm o mérito de ir além do que já conhecemos. São camadas, tipo páginas, que esses arqueólogos vão vasculhando em uma mina inesgotável.
O timoneiro dessa nave de escritos é o Presidente do ICC, Dr. José Flávio Vieira, que vem se mostrando um ”promoter” dos saberes do rico Cariri. Prova disso é que esse esculápio arregimentou, em torno de si, uma plêiade de intelectuais que reviraram muitas reentrâncias da mitologia Cariri e encheram nossos olhos lecturais de refinadas histórias de nossos antes.
Foi buscar em Várzea Alegre esse Dr. Sávio Pinheiro que conhece como ninguém os mistérios que se escondem no por trás da Serra Negra. Esse poeta popular vem logo sucedido pelo Sr. Tomé Cabral, memorialista cratense e de todo o Ceará. Quando entra em cena esse Pedro de Lima, é uma revelação de um mergulhador de sete fôlegos nos estudos pré-cabralinos.
Excelente é a performance desse outro varzealegrense animado, que crava como assinatura, Antônio Alves de Morais. Seu texto “A ordenha da veada” é antológico. E quem quiser conhecer sua genialidade é só ler seu livro Histórias, causos e proezas.
Voltando à coletânea retratada, não se pode perder “A raposa choca”, de Anilda Figueiredo que envolve coronel Filemon Teles e o brigadeiro Macedo. “A seca de 1915 no Crato” é um belo registro histórico de Antônio Martins Filho, fundador de Universidades. Heitor Bezerra de Brito, no seu “Abantesma” nos conduz aos anos de chumbo, via AI-5, com conhecimento do assunto.
Telma de Figueiredo já traz o brilhantismo no próprio nome. Seguindo este roteiro, Maria de Fátima Araújo Teles, quando escreve sobre “Aurora e a cobra voadora da nascença”, vem com um excelente neologismo ao citar que “Das Dores gostava de auroresceres!” Já Armando Lopes Rafael foi garimpar na sabedoria popular uma excelente coleção de adágios que não podemos olvidar. Quando topamos com Cristina Couto, ler seu texto sinestésico é saborear o sorvete de coco do bar do Zé Alves e do resto das nossas muitas Lavras, que carregamos nos costados da alma. Fui criado ali, em um alpendre que soletrava a batida do motor do engenho até ao açude que fazia cafuné no matagal do pé da serra.
Flávio Morais, em texto quase novela, desenterra Zeferino, no seu belo tratado titulado “Envultamento”. Traz mandinga e cangaceiro, paixão e assassinato. Jorge Emicles vem de mexer com Simão Bacamarte mesmo sem pedir licença ao Bruxo do Cosme Velho. Depois dá pesqueiro em Foucault, dando a entender que conhece As palavras e as coisas. J. Flávio Vieira, ainda sarando o umbigo, já ouvia certas histórias, que as esquinas ofereciam através de Ismael e Zacarias numa Crato que conversava pela boca de seu povo. Quando vislumbramos a Claude Bloc, herdeira da Serra Verde, aparece a ressurreição do Beato Zé Lourenço que o Sr. Mundoca Jucá, homem valente e carrancudo, não conseguiu dominá-lo. Não sei porque ela esqueceu a saga do Major Botelho.
Paulo Elpídio Martins, vasculhando os baús de memórias, desenterra “O bicho mamãe” e desvenda os mistérios do encantamento. Logo em seguida o livro nos traz uma visita de Mauro Mota, o grande poeta pernambucano, que faz o boi gemer no couro que a cadeira traz. Depois, com seu “O mundo de Epifânio”, mostra que esteve no Crato e dele extraiu saberes. Em seguida vem esse Manoel Vieira, com seu “Peixe-elétrico na Barra Verde? Ora se não!” Interessante é que o peixe ao deseletrizar-se foi aberto a trinche-te e “dentro do peixe havia três contas da COELCE vencidas”. Essa história fictícia antecede “Sabia que tem alta tecnologia na natureza?” de Paulo de Tarso Barreto Alves de Sousa que de uma viagem acidentada tirou lições de solidariedade.
Quando li “É verdade esta carta”, que fala em abdução, fui lançado no espaço de onde vislumbrei a ladeira do seminário, por onde transitei por cinco anos de internato no Sagrada Família. Depois que ultrapassei a ponte avistei o Hotel Tabajara que apenas via por fora. Esse Allan Bastos escreveu ficção como se realidade fosse. Finalmente Fabiana Vieira fez renascer em mim o menino do Engenho Taquari, criado na bagaceira e familiarizado com esses berros aí citados.
Por aqui vou parando com gosto de quero mais. Essa antologia comprova que o Crato é um celeiro de profícuos escritores. Cada texto que leio é um retorno a um paraíso perdido que só através dessa andança me sinto por lá de novo.
Fui ao Crato e matei minha saudade.
Batista de Lima sintetizou o que representou o livrinho. Bom de ler. Leitura engraçada e prazerosa.
ResponderExcluirO homi também e bom.....
ExcluirExplêndido.....
ResponderExcluirBom me ver citada pelo distinto parceiro do ICC. Porém, a saga do Major Botelho é outra história...
ResponderExcluirTer o nome exaltado em um artigo de Batista de Lima é uma bênção. Tive esse prazer quando ele postou ensaio no jornal Diário do Nordeste sobre o meu livro "TROPEIRISMO NOSSO".
ResponderExcluirBatista de Lima, grande abraço!
ResponderExcluirAllan Bastos
ExcluirEspetacular! Crato, cidade onde morei por três anos, conclui o ensino médio no Colégio Agrícola, cursei Geografia na Urca e deixei o curdo de História pela metade. Portanto, Crato não tem como não ter minha afeição sempre.
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