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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Confissão de Caboco - Ze da Luz

Meia noite, mais ou meno,
Se dispidino do povo
Disse: – Adeus, qui eu já vô.
Quando ele se arritirô,
Eu tombem me arritirei
Atraiz dele, sim sinhô.

Ele na frente, eu atrais.
Se o cabra andava ligêro,
Eu andava munto mais!

Noite iscura qui nem breu!
Nem eu avistava o cabra,
Nem o cabra via eu!

Sempre andando, sempre andando.
Ele na frente, eu atrais.
Já nem se iscutava mais
A voz do fole tocando

Na casa do mestre Duda!
A noite tava mais preta
Qui a cunciênça de Judá!

Sempre andando, sempre andando.
Eu fui vendo, seu doutô,
Qui o marvado ia tumando
Direção da minha casa!
Minha casa!... Sim sinhô!

Já pertinho, no terrero
Eu mim iscundí pru detraiz
De um pé de trapiazêro.

Abaixadim, iscundido,
Prendi a suspiração,
Abri os óio, os ouvido,
Pra mió vê e ouvi
Qua era a sua intenção.

Seu doutô, repare bem:
O cabra oiando pra traiz,
Do mermo jeito, qui faiz
Um ladrão pra vê arguém,

Num tendo visto ninguém,
Na minha porta bateu!
De lá de dentro uma voiz
Bem baixim arrispondeu...

Ele entonce, cá de fora:–
Quem ta bateno sou eu!
De repente abriu-se a porta!
Aí seu doutô, nessa hora
A isperança tava morta,
Tava morto o meu amô...
No iscuro uma voiz falô:–

Taqui, seu Chico, essa carta,
Qui a tempo tinha iscrivido
Pra mandá pra voismicê.
Pru favô num leia agora,
Vá simbora, vá simbora,
Qui quando chegá im casa
Tem munto tempo pra lê.

Quando minhas oiça ouviu,
As palavra qui Maria
Dizia pru disgraçado,
Eu fiquei amalucado,

Fiquei quage cuma loco,
Ou mio, cumo um cabôco
Quando ta chêi de isprito!

Dum sarto, cumo um cabrito,
Eu tava nos pés do cabra
sem querer dei um grito:–

Miserave! E arrastei
Minha faca da cintura.
Naquela hora dotô,
Eu vi o Chico Faria,
Na bêra da sipurtura!

Mas o cabra têve sorte.
Sempre nessas circunstança
Os home foge da morte.

Correu o cabra, dotô
Tão vexado, qui dêxou
A carta caí no chão!
Dei de garra do papé,
O portadô da traição!

Machuquei nas minha mão,
A honra, douto, a honra
Daquela farsa muié!
Dispois oiando pra carta
Tive pena, pode crer,
De num tê prindido a lê.

Nas letra alí iscrivida
O qui dizia Maria
Pru marvado traidô.

Mas, qui haverá de fazê
Se eu nunca prindí a lê?

Postado Por A.Morais

4 comentários:

  1. Restam duas postagem. Uma com a conclusão do depoimento do caboco para o delegado. E por fim a leitura da Carta de Maria Rosa para Chico Fazia.

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  2. Morais, bem interessante esta história contada em versos.
    Parabéns pela iniciativa.

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