Hoje me lembrei de um encontro que tive com Raquel de Queiroz. Nessse dia, podem crer, mergulhei no seu silêncio, na paz dos idos, na ausência abnegada do seu sorriso manso. Escutei todos os apelos dessas palavras mudas que pousam por aí, nas coisas, na memória. Escutei o coração de Raquel e os sons da saudade proferidos ao vento. Ventura ! Ventania !
Raquel estava doce, presa ao banco da praça, no final de tarde. Esperava a visita dos passantes. Um dedo de prosa, um sorvete pra refrescar as agonias da tarde fortalezense...
Pois é, hoje me lembrei de um encontro que tive com Raquel de Queiroz...
Foi boa a prosa. Uma boa conversa em que as palavras nem precisavam ser ditas e/ou ouvidas, apenas sentidas...
Claude Bloc
Telha de vidro
( RAQUEL DE QUEIROZ )
Quando a moça da cidade chegou
veio morar na fazenda, na casa velha...
Tão velha!
Quem fez aquela casa foi o bisavô...
Deram-lhe para dormir a camarinha,uma alcova sem luzes, tão escura!
mergulhada na tristura
de sua treva e de sua única portinha...
A moça não disse nada,
mas mandou buscar na cidade
uma telha de vidro...
Queria que ficasse iluminada
sua camarinha sem claridade...
Agora,
o quarto onde ela mora
é o quarto mais alegre da fazenda,
tão claro que, ao meio dia, aparece uma
renda de arabesco de sol nos ladrilhos
vermelhos,
que - coitados - tão velhos
só hoje é que conhecem a luz doa dia...
A luz branca e fria
também se mete às vezes pelo clarão
da telha milagrosa...
Ou alguma estrela audaciosa
careteia
no espelho onde a moça se penteia.
Que linda camarinha! Era tão feia!
- Você me disse um dia
que sua vida era toda escuridão
cinzenta,
fria,
sem um luar, sem um clarão...
Por que você na experimenta?
A moça foi tão bem sucedida...
Ponha uma telha de vidro em sua vida!
Geometria dos ventos
Eis que temos aqui a Poesia,
a grande Poesia.
Que não oferece signos
nem linguagem específica, não respeita
sequer os limites do idioma.
Ela flui, como um rio.
como o sangue nas artérias,
tão espontânea que nem se sabe como foi escrita.
E ao mesmo tempo tão elaborada -
feito uma flor na sua perfeição minuciosa,
um cristal que se arranca da terra
já dentro da geometria impecável
da sua lapidação.
Onde se conta uma história,
onde se vive um delírio;
onde a condição humana exacerba,
até à fronteira da loucura,
junto com Vincent e os seus girassóis de fogo,
à sombra de Eva Braun, envolta no mistério ao
mesmo tempo
fácil e insolúvel da sua tragédia.
Sim, é o encontro com a Poesia
( RAQUEL DE QUEIROZ )
Ah! Claude, você enriqueceu o blog hoje com a homenagem a Raquel de Queiroz. Adorei. Parabéns!
ResponderExcluirFafá
Claude.
ResponderExcluirSem comentarios. Apenas agradeço pela postagem. Parabens.
Maravilha!
ResponderExcluirObrigado Claude Bloc.
Esse poema "Telha de Vidro", eu decorei a muito tempo. Juntamente com ele, mais alguns casos de cordel, esse Telha de vidro, em todo sarau que eu vou costumo recitá-lo, mas sempre omitia o autor por não saber que era. Agora, mais feliz e mais sabido quando recitá-lo direi também de quem é:
Da minha ilustre conterrânea Raquel de Queiroz.
Sinto-me feliz por ter trazido esse texto do agrado de vocês.
ResponderExcluirRaquel de Queiroz é muito nossa e fala à alma da gente.
Abraço a todos
Claude