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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


quinta-feira, 30 de junho de 2011

A DIVINA COMÉDIA - Canto XI - O Inferno - Por Vicente Almeida



Canto XI

Túmulo do papa Anastácio Explicação sobre a justiça infernal

Gravura de Gustave Doré

Chegamos à beira de um precipício, onde havia um barranco derrubado, cujas pedras formavam uma grande rampa que permitiria nossa descida. Porém, o ar denso e fedorento que emanava do abismo, nos afastou de sua borda, de forma que tivemos que nos proteger sob a cobertura de uma tumba onde estava escrito: "Aqui jaz o papa Anastácio que Fotino desviou do bom caminho".

- Nós teremos que atrasar um pouco a nossa descida para que possamos nos acostumar com este ar poluído - disse Virgílio.

- Devemos então encontrar uma forma de aproveitar esse tempo utilmente - sugeri.

Ele concordou. Iniciou, então, uma detalhada explicação sobre a geografia dos três círculos restantes do inferno.

- Meu filho, depois deste barranco há mais três círculos, concêntricos, organizados em degraus, como os anteriores. - disse ele. - Toda a maldade é alcançada ora através da violência ora através da fraude. Embora ambas sejam odiadas pelo céu, a fraude, por ser uma perversão exclusiva do homem, desagrada mais a Deus. Os fraudulentos, portanto, são colocados nas valas mais profundas do inferno, onde sofrem muito mais.

O próximo círculo (sétimo) que nós encontraremos é o dos violentos, que se divide em três giros, classificados de acordo com a vítima da violência praticada.

No primeiro giro estão aqueles que praticaram violência contra o próximo ou contra os bens do próximo. Lá sofrem os assassinos, assaltantes e tiranos em grupos diferentes, de acordo com a gravidade de seus crimes.

No segundo giro estão aqueles que praticaram a violência contra si próprios ou contra seus próprios bens. Os suicidas e gastadores que arruinaram suas próprias vidas (no jogo, por exemplo) se encaixam neste grupo.

No último giro do sétimo círculo estão aqueles que praticaram violência contra Deus. São os que, orgulhosos, não acreditaram nele ou que o atacaram com blasfêmias, através da destruição e desprezo pela sua criação ou pela exploração da criação dos seus filhos através da usura.

Nos dois últimos círculos estão os que praticaram a fraude. Eles premeditaram seus atos e têm plena consciência do mal que causaram. Um homem pode praticar dois tipos de fraude: contra pessoas que confiam nele ou contra estranhos que podem suspeitar dele. Este último tipo só destrói o vínculo do homem com a natureza e é punido no oitavo círculo onde encontraremos hipócritas, aduladores, ladrões, falsários, simoníacos, sedutores e trapaceiros. O primeiro tipo de fraude desfaz não só o vínculo do homem com a natureza, mas também aquele vínculo de confiança estabelecido com outros homens. É, portanto, no menor dos círculos, no nono e último, junto com Dite (Lúcifer), onde são punidos os que traíram aqueles que neles confiaram.

Quando o mestre concluiu seu discurso, perguntei-lhe:

- Por que alguns pecadores cumprem suas penas (mais leves) fora da cidade de Dite e outros cumprem penas mais pesadas dentro da cidade? Por que todos não estão aqui?

- Será que tu já esqueceste o que diz a tua Ética - respondeu -, quando ela explica em detalhes, as três coisas que ao céu mais desagradam: incontinência, malícia e bestialidade? A culpa por ter pecado por causa de incontinência ofende menos a Deus. Se você lembrar com cuidado essa doutrina, entenderá por que aqueles lá de cima foram separados destes maliciosos aqui em baixo.

A explicação foi bastante esclarecedora, mas uma dúvida ainda me atormentava. Eu não entendia como a usura podia ser um pecado de ofensa a Deus. Fiz, então, essa pergunta a Virgílio, que me respondeu:

- Mostra a filosofia, àquele que a compreende, como a Natureza se manifesta a partir do intelecto divino e da sua Arte. Se recorreres a tua Física, encontrarás, bem no início, como a vossa Arte também imita a Natureza. E, como o aprendiz que segue os ensinamentos do seu mestre, a Arte, sendo filha do homem, torna-se quase neta de Deus. Se lembras o que diz o Gênese, logo no início: convém ao homem tirar da Natureza e de sua Arte os meios para a sua sobrevivência. Mas o usurário, ao seguir outros caminhos, agride à Natureza e a Arte, que dela deriva, pois em outra coisa (o dinheiro) põe suas esperanças.

A aurora já se aproximava e o mestre me chamou para continuar a jornada, pois ainda faltava muito antes que chegássemos à descida para o rochedo.

No Canto XII, veremos Minotauro - Centauros - Círculo da violência (7) - Rio de sangue

30/06/2011

6 comentários:

  1. É...

    NOSSO COMENTÁRIO:

    O papa Anastácio II (496 d.C.) acolheu em Roma o diácono Fotino e foi com ele acusado de heresia, por afirmar que o Espírito Santo não procedia do Pai e que o Pai era maior que o Filho.

    Círculo da violência: Enquanto nos círculos da incontinência, são punidos os pecados da culpa causada pela falta de auto-controle, nos círculos da violência são punidos os pecados dolosos, ou seja, que foram cometidos de forma consciente e por vontade do pecador, que de alguma forma premeditou o mal.

    A violência é uma característica bestial do ser humano. Os seres mitológicos que habitam este círculo são seres meio humanos e meio animais como os centauros, o Minotauro e as Hárpias.

    Círculo da fraude (fraude simples): A fraude é uma característica humana, pois exige o uso do intelecto. O pecador, portanto, não só procurou o mal por vontade própria como o planejou, premeditou o seu ato na sua mente antes de executá-lo.

    Os seres mitológicos que habitam o oitavo círculo mentem, enganam e trapaceiam. São demônios.

    Círculo da traição (fraude complexa): A traição é o pior dos crimes. É o mal planejado e executado contra uma pessoa desarmada e indefesa que assim se encontra por se sentir segura diante do agressor, no qual confia.

    O próprio Lúcifer se encontra no centro da terra, no nono círculo onde tortura eternamente os traidores humanos.

    É menos grave um indivíduo arquitetar e executar um crime contra um desconhecido, que pode se defender de um estranho que o ameaça, do que ele fazer o mesmo com alguém que confia nele, e por isto está indefeso e desarmado. A traição, portanto, recebe a justa punição máxima, nas profundezas mais profundas do inferno.
    ********************************
    Me desculpe o leitor, não foi possivel apresentar um comentário menos abrangente.

    Vicente Almeida

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  2. É...

    Esta postagem foi retardada, para não atrapalhar a votação da melhor postagem do mes que, diga-se de passagem, foi a maior abertura para o surgimento de novos colaboradores e comentaristas.

    Vicente Almeida

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  3. Prezado Vicente.

    Uma sequencia de postagens interessantes, fontes de pesquisas para o tema. Parabens.

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  4. A Divina Comédia acrescentada destes detalhes fica divina!

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  5. Vicente, como é gratificante ler seus comentarios explicativos; obrigada amigo. Abraço fraterno. Fatima.

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  6. É...

    Blog do Sanharol - Morais:

    A divina Comédia era um poema praticamente destinado aos eruditos.

    Os leigos da época de Dante, não tinham alcance para entender o seu conteúdo.

    Ainda hoje é assim. Se você ler o poema original, em versos, mesmo traduzido, vai guardar o livro antes de chegar a décima página.

    Por isto, além da tradução para o português, foi necessário também interpretá-lo em prosa, e no decorrer dos séculos, muitas gravuras foram acrescentadas para melhor compreensão dos leitores do futuro, ou seja; NÓS.

    Artemisia:

    O comentário inicial visa auxiliar a leitura da postagem, mas, as vezes temo o excesso das explicações. Não pretendo me tornar prolixo.

    Fátima:

    Obrigado ai pela força que você me proporciona para continuar.

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    E aqui quero falar com CAROL MENEZES:

    CAROL:

    Na postagem do dia 30, onde foi eleita e melhor do mês, você criticou por que "A Divina Comédia" não foi mencionada.

    Olhe, essas postagens que faço, são um tanto complexas ao entendimento de qualquer mortal, As pessoas temem emitir qualquer comentário, por que não estão preparadas para ler matéria de tamanha complexidade. Além do mais, mexe com os brios de muita gente.

    Por esta razão, não faço as postagens visando elogios nem votação. Contudo estou mostrando um mundo novo, onde o leitor perceberá que cada escolha terá seu contrapasso.

    Há muito tempo atrás, expliquei aqui no Blog que não seguiria a mesma linha dos demais colaboradores. Meu objetivo e fazer algo sempre totalmente diferente. Não gosto de repetir o que os outros já fizeram.

    *************************************

    Abraços a todos

    Vicente Almeida

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