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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


domingo, 26 de fevereiro de 2012

ANDREZADAS IV - DE JOAQUIM ANDRÉ - Por Mundim do Vale.


Dedicado a toda a Andresada e ao cardume de piaus.

Numa certa noite do ano de 1948, estava havendo um jogo de sueca na nossa casa da Lagoa do Arroz, onde os participantes eram os amigos do meu pai do Sanharol e Roçado de Dentro.
Uma hora lá o primo Joaquim de Pedro André que não estava no jogo falou para minha mãe:
- Irací. Se eu arrumasse uma roupa de mulher eu ia vestir e sair aqui na Lagoa do Arroz e eu garanto que ninguém ia me conhecer.
- Pois se você quiser eu arranjo uma minha.
- Pois eu quero.
Minha mãe foi lá por dentro e trouxe sem os outros verem, um vestido estampado e um pano preto para a touca. Entregou ao Joaquim que saiu escondido para as bandas do Ronca, onde foi se trocar.
A primeira casa que ele visitou foi a da minha tia Amélia. Chegou deu boa noite e perguntou:
- Minha filha sabe dizer onde é a casa de Maria vieira. Eu sou lá do jatobá e passando por aqui queria fazer uma visita a Pedro mais Maria.
- A senhora não quer esperar Doca chegar, pra ir deixar a senhora?
- Precisa não, minha filha, eu tenho costume de andar só.
- Quer um café?
- Não senhora. Obrigado. Se tiver um prato de coalhada eu aceito.
Comeu a coalhada e depois Isaura de Silvestre foi até a calçada para dizer onde era a casa de Pedro Batista.
Chegou na casa de Pedro e só estavam Pedro, Maria e João Batista. O resto estava na sueca. Depois que mandaram que entrasse ela falou:
- Meu povo eu tou aqui procurando a casa de Irací. Eu sou prima de Preta e queria muito visitar Pedro mais Irací.
Maria Vieira disse:
Pois a senhora tá bem pertinho de lá, mas como tá muito escuro eu vou pedir a João pra fazer um facho e ir com a senhora.
- Carece não, eu já tou acostumada.
- Pois tome um café antes de ir.
- O café eu não posso tomar, mas se a senhora tiver coalhada eu aceito.
Serviram um prato de coalhada e depois Maria Vieira foi até o terreiro para mostrar a casa:
- Olhe a casa é aquela daqui dá pra ver a luz da lamparina. Quando chegar mais perto a senhora vai escutar a zoada dum bocado de sem futuro jogando sueca.
A velha chegou na nossa casa aproximou-se da minha mãe e perguntou:
Minha filha pode me ensinar onde é a casa de Zefa de Pedro André?
Mas a senhora sozinha uma hora dessa pode ser perigoso. Parece que tem aí um ou dois dos filhos de Madrinha Zefa que pode levar a senhora até lá.
Precisa não, deixes os meninos vadiarem, basta me dizer como é, que eu chego lá.
- A senhora que esperar um pouco? Eu tou preparando uma massa de milho para fazer chapéu de couro.
- Não senhora eu agradeço muito, mas eu tenho pressa de chegar na casa de Zefa.
- Então a senhora desce alí na ladeira de Amélia, quando chegar na baixa onde tem um pé de oiticica, pegue o corredor de João do Sapo, quando chegar numa curva, já avista a casa de Zefa.
A velha saiu com quem ia para o Sanharol, mas logo depois entrou no mato e foi até o Ronca para trocar de roupa.
Chegou na nossa casa já com a sua roupa e o Vestido enrolado no pano preto. Logo que ela entrou Raimundo batista perguntou:
- Joaquim tu vem de casa?
- Venho, porque?
- Tu não encontrou a velha não?
- Que velha?
- Uma velha que saiu daqui agora, para visitar Dona Zefa.
- Pois eu não encontrei não. Como era que a velha estava vestida?
- Era com um vestido fulorado e um pano preto na cabeça.
- Pois quando eu vinha na entrada do corredor de João do Sapo, eu achei essa roupa em cima duma pedra. Eu até ainda gritei perguntando se tinha alguém por alí, mas ninguém respondeu.
Raimundinho de Antônio do sapo jogou as cartas na mesa e falou:
- De duas uma, ou a velha morreu afogada ou tá perdida dentro daquela manga de João do Sapo. Vamos fazer uns fachos e formar um adjunto para procurar a velha viva ou morta.
Só ficou na casa meu pai, minha mãe, Josélia Vieira que era ainda menina e Joaquim André comendo chapéu de couro e morrendo de rir.
Naquela noite as roças de João do Sapo ficaram mais parecidas com o fogaréu de Goiana.

Este causo minha mãe havia me contado e quando foi em agosto de 2.000, eu visitava o primo Joaquim quando ele me contou com todas as riquezas de detalhes.

5 comentários:

  1. Raimundinho, que você é um Grande Contador de Histórias eu não tenho dúvida!
    Fiquei imaginando o tamanho desse homem com a roupa de sua querida mãe e ela não reconhecer. Foi demais! Adorei.

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  2. Flor das Bravas.
    A minha mãe e o meu pai conheceram, quem não conheceu foi os outros.
    Veja que o meu pai não fez parte do fogaréu.
    Abraço da Vazante.

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  3. Mundim: quando eu e meus filhos aprotamos, mina mulher diz não saber de onde erdamos tanta loucura mas eu sei. O meu pai era mestre nessas brincadeiras,

    Mundim vc acabou de ganhar a lagoa do arroz.
    Um abraço...

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  4. Prezado primo, amigo e camarada Mundim.

    Conheço esta historia. A fonte não podia ser melhor. Meu tio querido Pedro Piau me contou.

    Quando digo que tio Joaquim tinha um pouco de palhaço fico preocupado com a má interpretação que façam.

    Mas os filhos dele, que sabem o quanto eramos amigos, entendem o que estou dizendo.

    Tio Joaquim neste dia enganou todo mundo, embora eu ache que o vestido ficou apertado e curto.

    A indumentaria foi criada por Pedro Piau, embora a ideia tenha sido do tio Joaquim.

    Mundim:

    Eu só vejo é gente que quer ser nova se admirando do tempo. Taí uma historia do tempo que eu não tinha nascido!....

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  5. O cidadão Joaquim André tinha suas origens encravadas na Comunidade do Sanharol, fruto do casal Pedro André e Dona Zefa a nossa orientadora religiosa. Joaquim, uma pessoa amável, brincalhão, onde muitas vezes agia como criança. Amigo assíduo dos meus pais e quando de sua ida para visitar sua irmã Ana de Santiago, passando de frete a nossa casa sempre tinha algo para dialogar com os seus verdadeiros amigos, Raimundo Bitu e Cotinha, que tinha grande admiração pelo saudoso companheiro Joaquim André.

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