UM ASININO NA PIA BATISMAL
Durante
anos, um jovem profissional trabalhou em dois serviços médicos distintos. Dois
hospitais semelhantes pertencentes a grupos políticos adversos. O esculápio
utilizava mais as suas habilidades diplomáticas, que médicas para desenvolver
em paz a sua labuta diária. O leva e
traz seria bem maior, não fosse a intervenção pacifista daquele pacato
profissional.
O
amante da medicina conseguia separar as águas, quando a turvação se fazia
presente, no barulhento e tortuoso rio da vida, sem que as partes percebessem
àquelas mirabolantes manobras. Ouvidos de mercador driblavam farpas trocadas
sem direito, sequer, a ruborizar a sua face pálida. Durante anos, ele praticou
mais a diplomacia do que a cirurgia.
Certa
vez, numa sexta-feira, final de tarde, uma senhora com criança adentram no
consultório. O médico exausto, após maratona clínica de quase dez horas, dá
início ao atendimento pediátrico. A consulta, muito rápida, e isenta de
sorrisos gratuitos termina com a mãe se retirando do recinto sem despedida
solene. Coloca a receita em uma pequena bolsa e se retira rapidamente, com a
fisionomia de que não valera à pena esperar tanto tempo naquele banco duro de
cimento cinza. Em poucos minutos, os vultos desaparecem ao longe.
O
profissional se retira com um semblante assustador. Sisudo, fácies triste,
contemplativo, sai sem se despedir de seus colegas. Mais um dia havia se
passado. A rotina, que já destruíra a sua atenção, virtude máxima da gratidão
humana, lhe deixava exausto e deprimido. O riso fácil, sua mais sincera
verdade, já não fluía como antes. A relação médico-paciente se esvaía de forma
automática e não premeditada. Estava nascendo ali um novo distúrbio
psiquiátrico, que os psicanalistas ainda não haviam desbravado.
Em
casa, após um bom banho, ele olha as estrelas e as contempla. O Cruzeiro do Sul
dá a sua graça. A quinta estrela visível, a pequenininha, leva-o a infância sem
energia elétrica no colo dos pais. A lua cheia o reanima e uma estrela cadente
o faz esquecer o interminável dia. O sono chega e ele procura o leito de
colchão confortável e travesseiro sedoso. O dia amanhece.
Uma
ducha quente o revigora e faz voltar o seu autêntico sorriso. O café fresquinho
de aroma forte e com pouco açúcar demonstra que um novo dia está começando e
que a vida volta ao seu eixo normal. O seu rosto se mostra mais jovem e menos
áspero. Enfim, a textura da vida se evidencia sem problemas e inquietações.
O
sábado se inicia. No outro hospital, ele recomeça a sua extenuante rotina. O
cheiro agradável de seu perfume se mistura com o aroma da sala recém-arrumada
dando um ar de leveza e tranquilidade. O SUS não parede mais tão assustador
assim. De repente, uma senhora com criança adentram no consultório. O médico
sereno, iniciando a sua maratona clínica, dá início ao atendimento pediátrico.
A consulta, bem mais lenta, recheada de sorrisos gratuitos termina com a mãe se
retirando do recinto, bastante satisfeita. Coloca a receita em uma pequena
bolsa e se retira calmamente, com a fisionomia de que valera à pena esperar
naquele banco duro de cimento cinza. De repente, ela para bruscamente e
exclama:
-
Isso é que é uma consulta médica bem feita... Diferente da que eu fiz, ontem à
tarde, no ouro hospital, com aquele jumento batizado!
Dr. Sávio.
ResponderExcluirO sistema de saúde brasileiro é cruel com o medico e com o paciente.
Existe também o paciente que o seu atendimento depende muito de sua decisão politica no ultimo pleito. O hospital já só existe um porque o outro foi fechado.
Então, se você votou na ultima eleição do agrado do medico você é bem atendido, se fez o contrario, só resta uma alternativa: chamar de jumento batizado.
Amigo Morais, esse fato foi verídico. Aconteceu em Cedro, há alguns anos. Mostra o quanto a sobrecarga profissional desumaniza o atendimento. Um abraço.
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