Era a última noite de conferências. A organização missionária tinha realizado uma grande série de encontros, visando esclarecer o povo de Deus sobre a importância da santificação e do envolvimento de todos na obra de missões.
Aquele pastor estava sentado na 5a. fila, da direita para a esquerda, na ala central. Ao seu lado um velho obreiro, amigo de longa data. Na verdade, como a cidade era pequena, quase todo mundo se conhecia.
Uma velha missionária estava pregando. Dizia ela que aprendera de forma dura a falar com Deus como uma filha conversa com sua mãe. Disse que na selva, onde se encontrava, recebera um anúncio de que os canibais a comeriam naquela noite. Tremendo de medo, praticamente desesperada, pôs-se de joelhos, declamando as mais lindas orações que conhecia, mas não conseguia encontrar paz para a sua alma. Foi então que decidiu deixar a formalidade de lado e gritar, como uma criança em desespero:
- Papai, eu estou com medo! Não vou desistir, não vou negar a fé, mas estou desesperada! Ah, papai, me conforta! Me faz sentir o teu amor, carinho, consolo! Preciso do teu colo! Preciso do teu acalanto!
Segundo ela, os índios ajoelharam-se diante dela, enquanto orava. Após a oração, vendo aquela cena inusitada, perguntou o que significava aquilo. O cacique dizia que não era por ela, mas pelos "índios luminosos" ao seu redor, com flechas fulgurantes apontadas contra eles. "Que índios?" Ela não via, mas os índios entendiam que a proteção dela era divina, por isso resolveram naquela noite comer outro alimento, resolveram comer do "pão da vida". Eles se converteram e a missionária foi vitoriosa. Ela concluiu, dizendo:
- Pastores, parem de fugir do colo de Jesus! Ele é o caminho para a solução de seus problemas! Não importa o tamanho da crise, não importa a dificuldade que enfrentam, pulem no colo de Jesus, como uma criança pularia no colo de seu pai, quando este chegasse do trabalho! Falem com Jesus, conversem com Jesus, chorem com Jesus, adormeçam com Jesus!!!
- "Que audácia "- disse, encolerizado, o pastor da quinta fileira -, "essa mulher não tem o mínimo pudor teológico. Onde já se viu dirigir-se a Deus sem a devida reverência? Quem ela pensa que é para orar como se estivesse conversando com um ser igual a ela? Também, pudera, perco o meu tempo para ouvir uma maltrapilha evangelista de índios! Ora, façam-me o favor! "
- "Pois eu acho que ela tem razão", exclamou o amigo do pastor, muito mais velho que ele - "sabe, se eu tivesse pensado nisso a mais tempo, teria evitado muito sofrimento. Gostei muito das palavras da mocinha."
- "O que, reverendo? Até o senhor? Ah, meu Deus, este mundo está perdido! Onde estão os fiéis! Não os vejo mais!!!" E, esbravejando, foi embora, não aguardando nem o término da conferência.
Ele pegou o carro e ruidosamente dirigiu-se ao prédio onde morava. Ao chegar à portaria, recebeu um recado: o porteiro queria falar-lhe. Após estacionar, foi até a guarita. Então, a trágica notícia:
- "Patrão, o seu filho foi preso por porte de drogas. Ele disse que só as consumia, mas os tiras não quiseram saber. Ele está na delegacia do condado. Disseram que um advogado estaria lá, mas as coisas estão difíceis..."
- "Meu Deus", pensou o pastor, "só me faltava essa!"
Subiu para o apartamento. Ao entrar, deparou-se com um sulfite pendurado na porta da geladeira, escrito a baton:
- "Querido, acho que é hora de pararmos com a farsa. Estou tendo um caso. Não lhe amo mais. Por isso, estou indo embora. Na próxima semana passo para pegar as minhas coisas. Cuide-se. Mary".
Suas mãos tremiam. Seu coração disparara. Ele não podia acreditar no que lia! "Desgraça pouca é bobagem", dizia ele no seu íntimo. Seu filho era usuário de drogas, disso ele já sabia. Tentou criá-lo na igreja, tentou evangelizá-lo, mas "como um bom filho de pastor", pensava, "primeiro irá ser um terror, pra depois converter-se", e se iludia com esse pensamento. Mas, sua esposa? Ele, que ouvia algum comentário sobre um provável romance dela com um colega de trabalho, jamais acreditara nisso, pois a amava. Porém, desde há muito o relacionamento não andava bem das pernas: poucos encontros, conversas só por secretária eletrônica, carinhos não havia mais. Agora, a verdade! E como dói a verdade!
Mal acabara de ler o papel, ligam para o seu telefone. Ele atende, ávido por notícias do filho ou da esposa.
- "Pastor? Aqui é Joseph Smith, vice-presidente da igreja. Pastor, nós, do conselho de diáconos, decidimos realizar uma reunião consultiva nesta noite. Não estamos contentes com o senhor. Achamos que o seu tempo em nossa igreja terminou. Estaremos decidindo isso hoje pelo voto. Só estou ligando para que não venha a dizer posteriormente que a igreja fez isso à sua revelia. Acho que o seu ministério já deu o que tinha que dar. Que Deus lhe abençoe, pastor! "
E agora? Esposa nos braços de outro; o filho na delegacia; a igreja colocando-o para fora.
A dor no peito começou a atacar. Um infarto do miocárdio? Um derrame? Um desmaio? Enquanto ponderava, assentando-se no sofá da sala, veio-lhe a mente o que ouvira por parte da missionária, na conferência:
- Pastores, parem de fugir do colo de Jesus! Ele é o caminho para a solução de seus problemas! Não importa o tamanho da crise, não importa a dificuldade que enfrentam, pulem no colo de Jesus, como uma criança pularia no colo de seu pai, quando este chegasse do trabalho! Falem com Jesus, conversem com Jesus, chorem com Jesus, adormeçam com Jesus!!!
Ele pensou: "mas eu nunca fiz isso! O que os outros vão pensar? Eu sempre acreditei diferente! Não, não vou ceder aos emocionalismos baratos daquela maltrapilha. Vou orar do meu jeito." E começou: "Senhor nosso Deus, divino mestre, soberano Senhor dos céus e da terra..." E as lágrimas começaram a cair copiosas dos seus olhos. Quanta dor! Chorava desesperado, em meio a gritos de agonia...
Dobrou os joelhos junto ao sofá, e disse, em meio ao pranto:
- "Deus, eu nunca fui bom em oração, me desculpe! Chamar-te de Pai eu nunca chamei. Mas agora estou desesperado! Pai, olha o que me fizeram! Pai, estou sofrendo muito! O meu filho está preso, Senhor! Minha esposa está nos braços de outro e minha igreja me odeia! Senhor, Senhor, Senhor, me acuda, me socorre, Senhor!" Seu choro invadia os cômodos vazios da casa. Seu canarinho, espantado, parara de cantar, pasmo ao ver o seu dono desse jeito. Ele abriu o coração. Disse tudo o que estava atravessado pela garganta há muito tempo. Falou das tristezas, falou das frustrações, falou da família, falou da fé, falou da incredulidade. Falou, falou, falou. Chegou a adormecer de canseira e dor, mas acordou e continuou. Ao término, após o "em nome de Jesus", ele levantou-se e disse:
- Acho que nunca orei tanto na minha vida! Acredito ter batido o recorde: 10 minutos! Nem no dia do meu batismo foi assim!"
E olhou no relógio. "O que? " Era meia-noite quando ajoelhara, e agora já passava das 13 horas do outro dia... Ele orou durante toda a madrugada e manhã! E nem percebera quanto tempo passara assim, de joelhos diante de Deus! Sorriu confortado, e pensou:
-"Bem, o meu problema não se resolveu, mas Deus está comigo. É tudo de que eu preciso! Louvado seja Deus!"
Era um outro homem. Jamais dera graças assim, tão convictamente. Foi até a cozinha, pegou o leite na geladeira, o Toddy no armário, fez um achocolatado, pegou um pedaço de bolo, colocou tudo sobre a mesa, deu graças de forma linda, como um filho agradecendo ao Pai pelo suprimento, e comeu gostosamente.
Enquanto tomava o seu café, o interfone tocou:
- "Patrão, o senhor não vai acreditar! Sabe quem está aqui embaixo? É o seu filho! É, a polícia resolveu dar uma chance pra ele, disse que ainda era tempo dele se consertar. Só que ele está com vergonha de subir, pois pensa que o senhor irá bater muito nele. Ele me pediu para dar dois recados: "Me perdoe! " e "Eu amo o senhor!" . O que é que eu faço, patrão? Falo pra ele subir?"
- "Claro!"
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