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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


sábado, 19 de novembro de 2016

A República no camburão - Por Ricardo Noblat.

A política, como quase tudo na vida, nutre-se de símbolos. A prisão, no espaço de menos de 24 horas, de dois ex-governadores do Rio de Janeiro – Garotinho e Sérgio Cabral -, sob a mesma acusação, simboliza o onipresente drama nacional da corrupção.

Nada o expressa melhor que o passeio de ambos, de camburão, rumo às instalações do presídio de Bangu 8, que um, Cabral, inaugurou, e o outro o teme por ter, segundo disse, mandado para lá muitos inquilinos. Um reencontro problemático, sem dúvida.

Mas o símbolo aí não é negativo: o reencontro do Comando Vermelho com o Palácio Guanabara indica que algo está mudando.

Outro simbolismo, não desprezível, é o fato de as prisões terem ocorrido na sequência imediata da Proclamação da República, que inaugurou, há 127 anos, na mesma cidade do Rio de Janeiro, uma etapa nada republicana da história do país.

Fruto de uma quartelada, a República no Brasil entrou pela porta dos fundos e, nas palavras de um republicano de então, Aristides Lobo, “o povo a tudo assistiu bestializado”. Não foi chamado a participar e levou semanas para entender o que se passava.

É possível que até hoje não tenha entendido.

Voltemos ao presente – e a outro cenário simbólico. As prisões se dão no exato momento em que o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, constata que está sem dinheiro até para pagar a seus servidores. Pior: quer que eles, os servidores, resolvam o problema que ele, governo, criou. Que paguem a conta.

Propõe redução de salários em 30% e pagamento dos que estão em atraso – em média, quatro meses –, já com os devidos descontos, em sete singelas prestações. Nada menos.

Estranhamente, o povo reagiu, embora mais uma vez bestializado. Mas sua ira não altera o essencial: não há dinheiro, e os governos não sabem fazê-lo; apenas gastam o que arrecadam – e alguns governadores, muitos, põem uma parte no próprio bolso.

O que ocorre no Rio não é fato isolado. Há mais estados falidos, vivendo o mesmo drama, ao tempo em que a Lava Jato prossegue sua faxina judicial, enquadrando gatunos. Só que agora, sem abandonar a esfera federal, investe na regional. Começa a caça aos governadores e, na sequência, aos prefeitos.

A semana política, que costuma inexistir quando pontuada por algum feriado, ignorou o 15 de novembro. Foi das mais densas, não apenas pelas prisões mencionadas, mas sobretudo pelas manobras parlamentares para esvaziar as dez propostas de combate à corrupção encaminhadas pelos procuradores da Força Tarefa da Lava Jato, que tramita na Câmara.

As dez viraram 18, depois 12 e o objetivo é que virem nenhuma – e que a Lava Jato acabe. Anistia para os crimes do passado – e não somente caixa dois – e um voto de confiança para o futuro, eis a síntese do que pretendem.

Trabalha-se por um desfecho como o da Operação Mãos Limpas, da Itália, que, entre 1992 e 1996, passou um trator na política daquele país, mas acabou esvaziada pela aprovação de leis que abortaram as investigações e culminaram na ascensão de um político, Sílvio Berlusconi, que simbolizava o oposto do que se buscava. Mas, naquela época, não havia ainda internet e redes sociais, o que faz toda a diferença em relação ao Brasil de agora.

É nas redes sociais que as manobras estão sendo denunciadas, com uma repercussão que assusta os parlamentares. A ausência dos partidos nas sessões da comissão especial das dez medidas evidencia o temor com o aprofundamento das investigações.

Sabe-se que poucos escaparão das garras da Lava Jato e que há um camburão a aguardá-los para um trajeto semelhante ao de Garotinho e Cabral. É a República no camburão.

No Senado, deu-se outro esvaziamento. Por falta de quórum, a comissão que examinaria a PEC do fim do foro privilegiado, de autoria do senador Álvaro Dias, não se reuniu. Se aprovada, a PEC devolverá políticos e autoridades dos três Poderes à vala comum dos cidadãos que os sustentam com impostos.

Numa hipótese, um ministro do STF poderia ser julgado por um juiz de primeiro grau, como Sérgio Moro. Há quem veja aí um exagero. O senador Ricardo Ferraço, por exemplo, acha que o foro deve ser mantido pelo menos para os presidentes dos três Poderes.

O certo é que a farra do foro deve acabar, o que facilitará sem dúvida o desenvolvimento de investigações como a Lava Jato. O desafio dos parlamentares que têm contas a acertar com a Justiça é ficar no âmbito do STF, que até aqui não condenou ninguém da Lava Jato, enquanto Sérgio Moro já condenou cerca de 120 infratores.

É a estatística a serviço da sobrevivência.


2 comentários:

  1. Este texto do Ricardo Noblat deveria ser lido por cada brasileiro. Já que o Rui Barbosa, o Quintino Bocaiuva, outros republicanos não podem fazê-lo para conhecerem o resultado do ato do Marechal Deodoro da Fonseca. Depravação geral de uma nação.

    Salve a monarquia.

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  2. É verdade. As três maiores lideranças políticas do falido (e bote falido nisso)do Estado do Rio de Janeiro estão todas presas por corrupção.
    Todos três já passaram, ou conmtinuam filiados, ao velho (e bote velho nisso) PMDB: Anthony Garotinho (oh! yes, the children já foi figura de proa do partido), Sérgio Cabral e o ex-presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha.
    O carioca é um povo alienado. Só pensa em carnaval e futebol.
    Deu no que deu. Lá a massa ignara vota por modismo: Lula, Dilma, Benedita da Silva, Jean Wyllys, Jandira Fegalli...
    A cada eleição, o carioca descarta uma político e elege nova liderança. Agora quem manda no pedaço é Luis Fernando PEZÃO. A partir será o bispo da Igreja Universal,m Crivella.
    É a velha política com seus métodos espúrios.
    Pobre população do Rio de Janeiro. Outrora vivia das chanchadas do cinema e dos programas de humor da televisão.
    Cada povo tem os líderes que merece.
    O Rio de Janeiro sucumbe ante o caos da corrupção que infecta todos os setores da vida daquela sofrida população.
    Atormentada pela violência incontrolável, pelo tráfico e pela mediocridade parece não querer entender que novas lideranças não virão da velha política...
    Elas sairão de setores que não sucumbem facilmente aos vícios do sistema e, por isso, poderão reformá-lo de cabo a rabo.
    A vida é implacável! Só se colhe o que se planta.
    O carioca está colhendo o que plantou. Diferente de São Paulo,do Paraná, de Goiás e outros, o Rio é um Estado onde os que vêm de fora assumem o comando, como num passe de mágica.
    Foi assim com o gaúcho e ex-governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola.
    Dizem que dona Dilma Rousseff se mudará para a ex-Cidade Maravilhosa - de mala e cuia - no próximo ano para sair deputada ou senadora pelo Rio.No Rio Grande do Sul (onde mora) e em Minas Gerais (onde nasceu) Dilma não tem vez.
    Não duvido que a ex-"presidenta" obterá sucesso na mediocridade que se trasformou o Rio.
    A sede de novidade, a mediocridade é o que domina a cultura política do carioca...

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