Em estado de escândalo permanente há mais de uma década, o Brasil parece exausto. Os cidadãos oscilam entre aplausos efusivos à Justiça e a absoluta descrença em punição, especialmente de acusados ilustres. Sentimento que nem a eficiência da Lava-Jato consegue alterar.
Os números da Lava-Jato impressionam: 125 condenações na primeira instância, somando penas de mais de 1.317 anos. Na Suprema Corte, onde correm os processos dos que têm privilégio de foro, 20 denúncias (dois aditamentos), 68 acusados e 3 ações penais instauradas. Até então, nenhum julgamento.
Uma diferença gritante de ritmo, utilizada pelos defensores do fim do foro especial por prerrogativa de função a que políticos e magistrados têm direito.
Simples como dois e dois são quatro? Não.
Mesmo que fosse decidida hoje, a derrubada do foro não garantiria celeridade. Ao contrário: os 500 processos – 357 inquéritos e 103 ações penais – teriam de ser remetidos à primeira instância, e reiniciados lá. Isso sem falar do congestionamento existente na esfera primária, abarrotada de processos cuja solução, por vezes, demora mais de 10 anos.
Em artigo publicado em O Globo no sábado de carnaval, o ex-procurador de Justiça do Rio Grande do Sul, Lenio Streck, enumera outras razões para aprofundar a discussão sobre a supressão do foro, retirando-a do pires raso em que se encontra.
O fulcro da questão pode mesmo não estar no privilégio de foro.
O processo do mensalão é didático nisso. Depois de receber a denúncia, que levou um ano e dois meses para ser oferecida pela Procuradoria-Geral da República, o STF julgou os 38 réus em menos de cinco meses, condenando 24 deles.
Mas longos sete anos se passaram entre o dia que o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) revelou a existência de pagamentos mensais para garantir maioria congressual ao governo Lula e o fim da primeira fase do julgamento, em 2012. E a ação 470 só acabou de verdade em 2014, com o julgamento de embargos infringentes que reduziram as penas do núcleo político.
Na prática, os 12 réus políticos foram condenados à prisão domiciliar, enquanto a maior parte dos operadores continua atrás das grades, em regime fechado. Pesos e medidas no mínimo estranhos, que só alimentam as dúvidas de que o privilégio não está no foro, mas no julgamento dos delinquentes ilustres.
Em Curitiba, onde pesos pesados estão na cadeia – sejam condenados ou detidos provisoriamente --, também não são poucas as chances de que criminosos acabem livres ou com penas muito aquém do que as impostas inicialmente, graças à multiplicação de delações. Nada menos de 78 acordos de colaboração premiada foram firmados pelo Ministério Público Federal na primeira instância, outros 49 homologados pelo Supremo, em Brasília.
Não há dúvida quanto à essencialidade das delações para as investigações. Mas os benefícios concedidos aos criminosos que falam auxiliam na sensação de impunidade, depondo contra a Lava-Jato. É difícil assimilar pena de uma tornozeleira para gente que surrupiou bilhões dos brasileiros.
No carnaval de 2013, quando o julgamento do mensalão animava o país, a máscara do relator e depois presidente do STF, Joaquim Barbosa, dividiram as ruas com as de Barack Obama. Com a Lava-Jato, no ano passado, o folião foi de juiz Sérgio Moro. Agora, ao lado do imbatível Donald Trump, preferiu não os defensores da lei, mas os presos Sérgio Cabral Filho e Eduardo Cunha. Qual o significado disso? Nenhum. Ou todos.
O STF se esfarela diante de uma nação pasmada.
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