ABATE DE BODES CRIA UMA PISTA.
Chegando ao acantonamento, vi que já haviam abatido quinze bodes. Inquirindo de quem era a criação, responderam-me que parecia ser do subdelegado local. Mandei chamá-lo, apresentando-se ele imediatamente para cobrar a despesa. Fê-lo, porém, a preço exorbitante. Chamei-lhe a atenção, frisando que não deveria deslembrar-se do convênio sobre o custo de gado e de bode para tropas volantes. Ele concordou e eu ainda o interpelei com certo rigor, acentuando que quem não era amigo dos soldados passava a sê-lo dos cangaceiros.
COMUNICAÇÃO COM AUTORIDADES PERNAMBUCANAS.
O coronel João Bezerra relata, adiante:
O subdelegado demonstrou, então, que já tinha estabelecido contato com os cangaceiros, naquele dia. Compreendendo que eles se achavam perto, talvez escondidos pelo próprio subdelegado e temeroso de argui-lo sozinho, porque no “aperto” ele poderia morrer, daí surgindo más consequências e aborrecimentos entre unidades federadas, resolvi telegrafar ao Comandante Optato Gueiros, que se encontrava em Águas Belas, nos seguintes termos: “Venha urgente para tratarmos do plano para a campanha, pois, desta feita, obteremos os melhores resultados de toda a ofensiva contra o banditismo”. Não quis ser mais explícito, visto como, naquela época, os telegrafistas eram quem mais prevenia os cangaceiros. Obtive, pouco depois, a resposta que transcrevo: “Deixo de atender ao vosso chamado, por motivo de os veículos se acharem em reparos. Opino, entretanto, por uma batida nas caatingas dos Guaribas”. Diante do exposto, deliberei pegar o subdelegado, desse no que desse. Mandei buscá-lo, mas ele se evadira, ganhando o mato. Esperei mais três dias, mas ele não regressou.
TENTANDO DESPISTAR.
Aproveitei a boa vontade do sargento Domingos Cururu e ordenei-lhe que, regressando o subdelegado, ele lhe batesse duro. Retirei-me, pois com a minha presença ele não tornaria. Segui, então, para Águas Belas, onde o comandante Optato Gueiros me aguardava. Lá, trocamos ideias a respeito da questão em lide, tendo eu rumado, a seguir, para Santana, a fim de prestar contas da diligência de quatorze dias ao coronel Lucena, de quem obtive oito dias para descansar. Transcorrido esse período, fui cientificado pelo próprio coronel Lucena, comandante-chefe das tropas volantes com sede em Santana, de que circulavam boatos segundo os quais Lampião atravessara a fronteira de Pernambuco, entrando em Alagoas, pela zona de Pilão do Gado, já município de Mata Grande. Tocando num lugarejo circunvizinho, tomou umas cargas de rapadura dos matutos, fazendo com que estes o ouvissem anunciar que ia direto a Moxotó. Compreendi logo que era justamente o contrário, pensando o coronel Lucena como eu.
NO COMANDO DA TROPA.
Segui imediatamente com a tropa, tendo convidado, por telegrama, o coronel Lucena, a fim de nos juntarmos no Barro Branco. Acertamos aí o esquema da ação policial, com o coronel Lucena passando-me o comando de toda a tropa em manobra, determinando, ainda, que eu fosse para Mata Grande com o aspirante Ferreira, que ele, três dias após, iria levar nossos vencimentos e ultimar providências porventura não assentadas até àquele instante. Vencido o prazo, chegando o coronel Lucena ao local, eu já havia ordenado as buscas em Moxotó, verificando-se a existência de vestígio de bandidos na região. Combinei com o mesmo coronel Lucena telegrafar ao comandante Opitato Gueiros, em Aguas Belas, chamando-o a Maravilha, com o objetivo de acertarmos o envio de tropa pernambucana para Moxotó, enquanto eu pegaria a pista da “gang” de Lampião, para saber o local em que se havia homiziado. Providenciei a mudança de comando da tropa em Mata Grande, deixando elementos de minha absoluta confiança sob a liderança do então sargento Aniceto, segui ribeira abaixo, onde, com quatro léguas, peguei a pista, deixando-os na Serra da Cachoeira, entre Pão de Açúcar e Piranhas.
APROXIMANDO-SE DO GRUPO.
O coronel João Bezerra sorve rapidamente um cafezinho, assiná-la que as minúcias que nos está dando nunca foram antes enunciadas, e ajunta:
Verifiquei, então, que no rumo por eles escolhido iriam diretamente à Serra do São Francisco, que estava próxima, às margens do rio do mesmo nome. Propus-me demandar Piranhas, objetivando abastecer a tropa e, como era dia de feira, estudar psicologicamente a fisionomia de cada um dos coiteiros que por ali aparecessem, o que foi feito com precisão.
POR TRÁS DOS ÓCULOS ESCUROS.
Na ocasião em que o mercado estava reunido, sentei-me em uma cadeira de loja cujo dono era o maior coiteiro da zona, do lugar onde desembocavam os caminhos vindos das caatingas onde se achavam os bandidos. Eu usava óculos escuros, para esconder minhas reações. Elementos procedentes daquelas bandas – aproximadamente uns vinte – quando batiam com os olhos em mim passava no intimo de cada um deles, fui ao telégrafo e passei um telegrama a mim mesmo, assim redigido: “Tenente João Bezerra. Piranhas, venha urgente. Lampião está com todo o grupo em Moxotó. Capitão Elpidio. Delegado de Policia”. O despacho fora feito falsamente como sendo de Mata Grande.Com isso, visava a bigodear os coiteiros e verificar a sua reação. Entreguei o documento ao estafeta, depois de carimbado, e retornei à minha cadeira.
O coronel João Bezerra faz um parêntesis para sublinhar:
Eu nunca disse essas coisas a nenhum repórter.
Agradecemos a deferência e ele narra:
Chegou o estafeta, entregou o telegrama e passei o recibo. Comentei, então, em tom provocativo: “Cangaceiro não é qualidade de gente!” Li, a seguir, o telegrama em voz alta e grande número de coiteiros se acercou para ouvir-me melhor. Através dos óculos escuros, vi que eles estavam mangando de mim...
Quando mais leio sobre Lampião e seu bando mais tenho certeza da nulidade que foi.
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