Wenceslau Braz
Presidente do Brasil entre 1914 a 1918
Biologicamente, vivemos milhões de anos, viemos de tetravós, trisavós,
bisavós, avós, pais, e continuaremos vivos em filhos, netos, bisnetos,
trinetos, tetranetos… Eternos.
Quantos
anos você quer viver? Quantos anos você pode — poderemos — viver? A
ciência tem nos cutucado ultimamente com essas pegadinhas. Semanas
atrás, VEJA mostrou o que tem sido feito para ampliar a durabilidade
humana. Faz sete anos, um cientista apregoou a possibilidade de vivermos
até os 150 anos ou mais, com a reposição de “peças” (órgãos) e outras
tecnologias.
Para que vivermos tão velhos? Qual é a graça, sem podermos correr atrás
de uma bola, de um sonho, de uma garota? A juventude, enquanto a
vivemos, parece eterna; não nos damos conta de que vivemos a esgotá-la;
quando percebemos que se vai, ela nos parece breve e cruel. O grande
feito científico seria preservar a juventude, não a velhice. A mágica do
retrato de Dorian Gray. A terrível graça da juventude é que ela acaba;
seu valor é o valor da beleza, do rosto liso, da agilidade, das carnes
firmes — bens preciosos porque finitos, ou mais do que isso: efêmeros.
Ela acaba, como acaba o dinheiro, como acaba a ingenuidade; só que o
dinheiro podemos buscá-lo em alguma fonte, e não há fonte de onde jorre a
juventude, a não ser na lenda.
Uma interessante pesquisa italiana publicada recentemente na revista
Science sugere que paramos de envelhecer aos 105 anos, daí para a frente
seguimos funcionalmente estáveis até o dia fatal; outra pesquisa,
canadense, sugere que o limite funcional humano é de 115 anos. O caso da
francesa Jeanne Calment, falecida aos 122 anos, em 1997, seria exceção.
Não vamos analisar a Bíblia, em que aparecem sete varões que viveram
mais de 900 anos, dos tempos de Noé para trás, sendo Matusalém o medalha
de ouro, com 969 anos; Jarede, o medalha de prata, com 962 anos; e o
próprio Noé, o medalha de bronze, com 950 anos. Como pode? Talvez os
escritores bíblicos precisassem que aqueles tempos, muito antigos até
para eles, fossem descritos como extraordinários, e essas longuíssimas
vidas seriam algumas entre as coisas extraordinárias que narraram.
Baixando a bola: quem pode desmentir o narrador dos anais da freguesia
de Caeté, em Minas Gerais, do fim do século XVIII? “No ano de 1790
faleceu Manoel de Souza, natural de Portugal, e morador no arraial do
Socorro com 130 e tantos anos de idade, e em seu perfeito juízo.” Isso
se lê na página 182 do Almanak Administrativo, Civil e Industrial da
Província de Minas Geraes — 1864, e na página 183: “No arraial de São
Gonçalo do Rio Abaixo, existiu Domingos Homem Rosa, natural das ilhas,
casado, contava 116 anos, e há pouco faleceu, e sua mulher de idade de
117 anos ainda vive com algum vigor, e sempre se mantiveram com o suor
do seu trabalho”. Minha hipótese é que algumas pessoas ficam menos
estragadas do que outras.
A idade do mais longevo de todos os presidentes do Brasil, o mineiro Wenceslau Braz,
foi motivo de piada. Governou o país de 1914 a 1918, e só morreu 47
anos depois, em Itajubá, onde viveu até os 98 anos. Foi nome de ruas,
avenidas e cidades ainda em vida. Conta-se que saiu com seu Fordinho
para dar uma volta, já bem velhinho, e bateu de leve no carro de um
jovem em frente à sorveteria. Disse logo que pagaria pelos danos e deu
seu cartão ao jovem. Ele leu, olhou desconfiado, leu de novo, e
perguntou: “Pera aí. Wenceslau Braz que número?”.
Carlos Drummond de Andrade disse num poema: “Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver”.
É isso. Nossa perda é afetiva, social, cultural. Biologicamente,
vivemos milhões de anos, viemos de tetravós, trisavós, bisavós, avós,
pais, e continuaremos vivos em filhos, netos, bisnetos, trinetos,
tetranetos… Eternos.
(*) Ivan Ângelo, jornalista. Publicado na VEJA-SP, 29-08-2018.
A vida é um segredo que não entendemos : Ninguém quer ficar velho e ninguém quer morrer novo. Entenda se for capaz.
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