As tentativas para separar a região do Cariri do Ceará
As alegativas (para a criação da “Província” e/ou “Estado” do Cariri) sempre foram mais ou menos as mesmas: a
de que a região sul-cearense possuía progresso econômico e
civilizatório, mas não recebia o apoio necessário vindo do governo
sediado em Fortaleza, o qual relegava ao abandono o Cariri.
A primeira tentativa de independência do Cariri foi em 1828. A Câmara
de Vereadores do Crato encaminhou representação ao Governo Imperial
mostrando a oportunidade de criação da nova Província do Cariri Novo.
A ideia voltou à tona, em 14 de agosto de 1839, quando o senador José
Martiniano de Alencar, do Partido Liberal, apresentou, no Senado do
Império do Brasil, um projeto de lei, cujo artigo 1º dizia textualmente:
"Fica criada uma nova Província que se denominará Província do Cariri Novo, cuja capital será a Vila do Crato".
Anos depois, através do jornal "Diário do Rio de Janeiro", voltava o
senador Martiniano de Alencar a defender sua ideia de criação da
Província do Cariri. Em 1846 a proposta foi reapresentada pela
Assembleia Legislativa da Província do Ceará e retomada no decênio de
1850 pelo jornal “O Araripe”, editado em Crato. No século XX a
reivindicação ganhou fôlego nos anos de 1905, pelas páginas do jornal
“Sul do Ceará”. A última tentativa foi em 1957, quando se criou um Comitê Central Pró Estado do Cariri.
Todas essas tentativas ficaram só no sonho. Hoje é impraticável se
pensar em iniciativas separatistas como as mencionadas acima.
Como era o Cariri nos tempos do Brasil-Colônia?
Ainda hoje, muitas pessoas -- que se julgam bem informadas --, não sabem distinguir a diferença entre os tempos do “Brasil-Colonial” (quando pertencíamos a Portugal) para os tempos do “Brasil-Império”
(quando o Brasil se tornou uma nação independente com dimensão
continental). É comum, quando se fala da monarquia brasileira, até mesmo
professores (que têm obrigação de distinguir essas duas fases)
afirmarem: “Na monarquia, os portugueses levavam nossas riquezas para a
metrópole”. Ora, a transferência dos produtos brasileiros para Portugal
ocorreu somente na época do “Brasil-Colônia” (e mesmo assim somente até a
chegada da Família Real, em 1808). Essas transferências não ocorreram
no “Brasil-Imperial”, país soberano e respeitado no concerto das nações a partir de 1822.
Como era o Cariri no “Brasil-Colônia”?
Distante mais de 600 km do litoral, carente de comunicação com os
centros mais adiantados do Brasil, no Cariri cearense foi plasmada uma
cultura própria, herança portuguesa, sob forte influência da Igreja
Católica. Em algumas vilas e localidades caririenses, as companhias de
penitentes se flagelavam, à noite, em frente das igrejas e dos
cemitérios. O centro gravitacional das populações daqueles remotos
tempos girava em torno da aristocracia rural, semelhante ao um feudo
medieval!
O proprietário rural atuava quase sempre como um poder moderador nos
conflitos naturais da convivência humana. E a relação “patrão-empregados”
era feita na base do compadrio. O proprietário rural era visto mais
como um amigo (a quem se podia recorrer nas dificuldades) sendo
impensável, naquele tempo, a versão – ainda hoje pregada nas
universidades públicas – de “classe dominante”.
O Cariri foi uma herança da mentalidade medieval
Crato em 1859, aquarela de José dos Reis Carvalho
A região do Cariri foi, no início do seu povoamento, um resquício da
civilização medieval, lembrando a que existiu na Europa, guardadas, é
claro, as diferenças das realidades entre o velho e o novo mundo. Quando
a decadência dos princípios basilares da Idade Média teve início no
velho continente europeu, por volta do século XV, este processo de
descristianização não foi implantado na Europa com rapidez. Nem atingiu
todas as nações europeias com a mesma intensidade. Fácil compreender por
que isso ocorreu. Naquele tempo, não existiam os meios de comunicação,
que temos hoje. As notícias e os acontecimentos levavam tempo para
chegar aos países periféricos da Europa, e às pequenas vilas e povoados
destes.
Portugal, o mais ocidental dos países europeus, situado às margens do
Oceano Atlântico, foi o último a sofrer as consequências da decadência
daquele apogeu que caracterizou o sistema econômico, político e social,
conhecido por “feudalismo”. Em Portugal, as consequências da debacle
desse sistema (que começou a se estruturar na Europa, ao final do
Império Romano do Ocidente – século V – e atingiu seu apogeu no século
X, só desaparecendo praticamente no final do século XV) chegaram às
terras lusitanas com relativo atraso.
Mentalidade transferida para o Brasil nos albores do povoamento
Chegando ao Nordeste brasileiro, a mentalidade da
sociedade católica, aqui plasmada pelas boas famílias portuguesas que
para cá se transportaram – os chamados “fidalgos” – conservou muitos
princípios da mentalidade medieval. E isso aconteceu devido,
principalmente, à grande distância e à falta de comunicação entre esta
parte do Brasil e a já revolucionária Europa.
Mentalidade que chegou ao Brasil-Imperial
Verdadeiro rosto do Imperador Dom Pedro I, revelado graças à reconstituição facial feita recentemente, sob os auspícios do Prof. José Luís Lira -- Crédito: Cícero Moraes
No século 19, a maior parte dos trabalhadores dos engenhos caririenses
era composta de homens livres, os chamados “agregados da família”. E
mesmo os escravos negros (pouco numerosos no Cariri), consoante a
tradição, não sofriam – salvas as exceções – a opressão e a impiedade,
que levavam seus irmãos de cor a gemer nos cativeiros de outras
províncias brasileiras, especialmente as exportadoras de produtos
agrícolas (São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco,
dentre outras). Talvez isso ocorresse no Cariri, porque não havia nesta
região uma elite econômica ávida por lucros, voltada para a exportação
da sua produção, como a existente nas províncias acima citadas. O
escravo no Cariri, com raras exceções, era quase gente da família. Esses negros compartilhavam dentro da sua humildade e sujeição os acontecimentos alegres e tristes dos seus senhores.
Crato vai comemorar o centenário do Prof. José do Vale
José do Vale Arraes Feitosa nasceu na fazenda Canabrava, em Aiuaba,
sertão dos Inhamuns, em 11 de abril de 1919. Adolescente veio estudar no
Seminário São José de Crato, e desta cidade nunca mais saiu.
Vocacionado para o magistério foi professor em Crato durante 42 anos.
Foi vice-diretor do Colégio Diocesano de Crato de 1947 a 1969; professor
e co-fundador do Colégio Estadual Wilson Gonçalves, do Colégio Agrícola
Federal e do Ginásio Municipal Pedro Felício, todos da cidade de Crato.
Em 1968, formou-se em Letras pela Faculdade de Filosofia do Crato,
habilitando-se a ministrar as disciplinas: Língua Portuguesa, Literatura
Brasileira, Francês e Literatura da Língua Francesa. Especializou-se em
Literatura Brasileira, Literatura Portuguesa e Língua Nacional.
Casou, muito jovem, com Maria Gisélia Pinheiro, com quem teve seis
filhos. Em 1965 ficou viúvo. Em 1968 contraiu novo matrimônio com a
professora Maria do Carmo Feitosa, sua parente. Desta união nasceram
dois filhos. Era fluente orador. Foi um dos fundadores do Instituto
Genealógico do Cariri. Recebeu o título de “Cidadão Cratense” e era
sócio do Instituto Cultural do Cariri. Faleceu em 19 de outubro de 1997.
Em 2019, no dia 11 de abril, a comunidade cratense vai comemorar o
centenário de nascimento de um homem de bem, na verdadeira acepção da
palavra. Um grande mestre, humano, afável, uma pessoa, simples, culta e
de bom coração.
História: Um herói chamado Tristão
Bandeira da Confederação do Equador de 1824
Muita gente ainda confunde a “Revolução Pernambucana de 1817” com a “Confederação do Equador”.
Foram dois movimentos revolucionários distintos. Em 1824, eclodiu nova
revolução republicana em Pernambuco denominada "Confederação do
Equador". Este movimento uniu algumas lideranças das províncias de
Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, descontentes com a
Constituição outorgada pelo primeiro imperador brasileiro, Dom Pedro I. O
movimento repercutiu intensamente no Crato. Tristão Gonçalves de
Alencar Araripe aderiu, com todo entusiasmo e idealismo, à Confederação do Equador.
Em 26 de agosto daquele ano, foi ele aclamado pelos rebeldes
republicanos como Presidente do Ceará. Entretanto a reação do Governo
Imperial foi implacável. As instruções para debelar o movimento eram
assim sintetizadas: "(...) não admitir concessão ou capitulação, pois a rebeldes não se deve dar quartel".
Debelado o movimento restou a Tristão Araripe duas alternativas:
exilar-se no exterior ou morrer lutando. Escolheu a última opção.
Nas suas pelejas, Tristão colecionou vários inimigos. Dentre eles um
rancoroso proprietário rural, José Leão da Cunha Pereira. Este utilizou
um seu capanga, Venceslau Alves de Almeida, para pôr fim à vida do herói
da Confederação do Equador no Ceará. Tristão Araripe faleceu, em 31 de
outubro de 1825, combatendo o grupo armado de José Leão, na localidade
de Santa Rosa, hoje inundada pelas águas do Açude Castanhão. Morreu como
queria: pelejando, graças a Deus!
Prezado Armando - Um texto sempre completo de informações importantes. Parabéns a você e nosso agradecimento em nome dos leitores.
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