Cariri, poderá virar Patrimônio Cultural Imaterial da Unesco
Sede da Fundação Casa Grande, em Nova Olinda
Próximo mês de junho acontecerá, na Fundação Casa Grande – na cidade de
Nova Olinda – o “Seminário Internacional de Patrimônio Cultural
Imaterial na Chapada do Araripe”. Trata-se evento destinado ao
reconhecimento, pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura), do Cariri cearense – mais precisamente
a Chapada do Araripe e seu entorno – como Patrimônio Cultural Imaterial
do povo brasileiro. Além da Secretaria de Cultura do Ceará (Secult),
Fundação Casa Grande, SESC e as universidades da região (URCA e UFCA)
compõem o grupo realizador desse evento.
Para Alemberg Quindins, presidente da Fundação Casa Grande de Nova Olinda: “Estamos tendo um cenário aonde o Cariri e o Ceará vivem hoje um bom momento entre as políticas culturais e avanços na Cultura Popular. O Cariri é um território mágico, mitológico, paleontológico, arqueológico. Ele une quatro estados brasileiros e atende importantes critérios da Unesco como patrimônio mundial: integridade, autenticidade e universalidade”.
Já Fabiano Píuba, Secretário da Cultura do Ceará, ratificou: “Pensar em
patrimônio cultural para o Cariri tem que estar associado ao patrimônio
natural. O Cariri e sua Chapada do Araripe é um território
profundamente marcado pela cultura popular e tradicional, ambiente de
expressões e manifestações riquíssimas; ao tempo que hoje se tornou um
polo acadêmico com uma rede de universidades públicas e privadas, tendo a
URCA e a UFCA como as principais instituições; além de ser uma zona de
desenvolvimento econômico em pleno crescimento e ser um destino
turístico dos mais procurados no Brasil, seja por seus aspectos
culturais e ambientais”.
Um exemplo que vem de Londres
Há 153 anos teve início, em Londres, um projeto de colocação de
pequenas placas redondas, na cor azul, em algumas fachadas de casas
daquela cidade. Essas placas esféricas preservam o legado de pessoas que
nasceram ou viveram em Londres, e que – de alguma forma –deixaram sua
marca na história daquela cidade. Antes de ser colocada a placa, a
sugestão passa por um critério rigoroso. Aliás, as placas só são
colocadas após 20 anos da morte do nomeado, ou se já tiver passado 100
anos do seu nascimento. Que bom exemplo para as cidades caririenses
preservarem sua memória.
Na
foto ao lado, uma das "placas azuis" existentes em Londres. Esta
assinala o prédio no qual morou, durante certo tempo, Mahatma Gandhi, o
homem que conseguiu libertar a Índia do domínio inglês.
O desprezo pela memória do Cariri
Bangalô aristocrático que existiu em Juazeiro do Norte
Vem de longe a destruição da memória (arquitetônica, histórica e de
reminiscências) da região do Cariri. Crato e Juazeiro do Norte
destruíram o seu patrimônio arquitetônico. Barbalha foi a única cidade
do Cariri a cuidar dos antigos casarões. Infelizmente, a destruição da
memória ocorre de forma mais intensa em Juazeiro do Norte, a maior
cidade do Cariri. Se fosse adotado, em Juazeiro, o projeto das placas
azuis, que existe em Londres, não teríamos mais os locais para colocar
placas homenageando pessoas como Amália Xavier de Oliveira, Padre
Climério, Mestre Noza, Mons. Juviniano Barreto, Mauro Sampaio, Mons.
Murilo de Sá Barreto e tantos outros que foram importantes, em certas
épocas, para a vida de Juazeiro.
Tempos
atrás, o jornalista Jurandy Temóteo escreveu o texto abaixo na revista
“A Província”: “As más administrações públicas, a falsa ideia de
modernismo, a ganância financeira, a indiferença de considerável parcela
da nossa população e a impunidade estão fazendo do Crato uma terra sem
memória arquitetônica.
“Prédios
públicos e particulares, de inestimáveis valores históricos e
arquitetônicos continuam sendo destruídos ou mutilados sem que
providências realmente sérias e eficazes se concretizem. Que “Cidade da
Cultura”, que “Município Modelo” é este que extermina seus valores
culturais, mutila suas ruas, praças, monumentos? O que se tem feito e se
continua a fazer contra Crato é um crime, uma barbárie. Até quando?”.
Vinho “Terras do Crato”
No último dia 15 de maio eu me encontrava na cidade de Fátima
(Portugal) e entrei num restaurante (“O Recinto”) para almoçar.
Ao lado da minha mesa tinha uma prateleira expondo bons vinhos
portugueses. Entre eles, havia o tinto “Terras do Crato”, fabricado no
Crato português, cidade localizada na região do Alentejo. A uma pergunta
sobre as características do vinho “Terras do Crato”, o funcionário do
restaurante, no conhecido sotaque português explicou: “Trata-se de vinha
na cor rubi, com aroma de notas de fruto vermelho maduro, complexo e
intenso. Paladar equilibrado, taninos suaves e boa persistência. Vais a
querer?”
O preço da garrafa era elevado. Desisti. Mas fica registrado, para
mostrar aos habitantes do Crato brasileiro, que o pequenino Crato do
Alentejo português (com menos de quatro mil habitantes), produz
excelentes vinhos.
Maria Caboré
Ainda hoje presente no imaginário do povo de Crato, Maria Caboré, é
tida como “santa” nas camadas mais simples da população cratense, 83
anos depois da morte dela. Muita gente pede graças à alma de Maria
Caboré e – alcançado o pedido – manda celebrar missas para ela.
Recentemente, o advogado de Fortaleza, Geraldo Duarte, articulista do
“Diário do Nordeste” publicou – naquele jornal – uma interessante
crônica sobre Maria Caboré, que republicamos abaixo na íntegra. A
conferir:
“Espírito de anjo ornado em trapos
Túmulo de Maria Caboré ,no Cemitério Nossa Senhora da Piedade, em Crato
"Este, o verso primeiro de poesia do Padre Raimundo Augusto, completado
com “Perambulando pela rua ao léu, / Companheira fiel até dos sapos, /
Ela tinha por lar o azul do céu.” (quadra inicial do poema “Maria
Caboré”, ode daquele pároco dedicado ao, talvez, mais querido personagem
do Crato das décadas de 20 e 30 do século passado, publicado na revista
Itaytera. Filha de Caboré, coveiro, e Calumbi, roceira, moradores do
distrito Matinha, Cícera Maria da Silva Almeida os viu morrer
precocemente. Aluou-se. Deu-se a perambular na terra-natal do Padre
Cícero e ganhou a apelidação de Maria Caboré.
"Morena, estatura mediana, utilizava uma espécie de turbante e adornada de miçangas. Na Rua da Vala, hoje Tristão Gonçalves, onde mais vivia, supria as casas com água, retirava o lixo, servia de recadeira e, em troca, ganhava alimentação, roupas usadas e alguns trocados. Suas ética e lealdade, a toda prova, mereciam o respeito e a estima de todos. Honestidade e boa índole a complementavam.
No mundo ilusório era noiva do “Rei do Congo”, a quem sempre dedicou fidelidade. Dizia-se católica, frequentava a Igreja e confessava-se. Certa feita, notou que o sacerdote vestia calça sob a batina. Surpresa, declarou nas andanças: “Vige Maria, padre é homi!”. Encontrou um feto num dos entulhos daquela artéria. Levou-o à delegacia, entretanto, não envolvendo ninguém, alegou haver esquecido o local.
"Vítima da peste bubônica que, em 1936, afligiu a cidade, foi interna no hospital improvisado no Seminário Diocesano São José, quando “faleceu piedosamente com a morte exemplar de um justo”, asseverou Padre Augusto. Para muitos cratenses e, até, nascidos noutras localidades caririenses, Maria Caboré é considerada espírito milagreiro deveras evocado. Seu túmulo, no Cemitério N. S. da Piedade, possui visitação frequente durante o ano, destacando-se no Dia de Finados”.
Mais uma vez parabéns e muito obrigado pela valiosa postagem.
ResponderExcluirEstava sentindo falta dessa coluna que aborda temas culturais/Históricos/sociológicos com boa escolha dos temas abordados. O Cariri é uma região privilegiada neste Brasil Continental. Parabéns pela coluna de hoje. De 0 a 10, merece 10 com certeza.
ResponderExcluirEstava sentindo falta do coluna que, de forma eclética, seleciona bons temas culturais/históricos e sociológicos. O Cariri é uma região privilegiada, tem características próprias como vem provando essa coluna.
ResponderExcluirUnknown - Os seus comentários agregam um valor sem tamanho igual as postagem. Trazem um reconhecimento ao Armando Rafael que servirá de encorajamento para novos textos, novas crônicas e novas postagens. Muito obrigado em nome dos leitores. Grande abraço.
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