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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


quinta-feira, 23 de maio de 2019

Caririensidade


Cariri, poderá virar Patrimônio Cultural Imaterial da Unesco
 Sede da Fundação Casa Grande, em Nova Olinda

        Próximo mês de junho acontecerá, na Fundação Casa Grande – na cidade de Nova Olinda – o “Seminário Internacional de Patrimônio Cultural Imaterial na Chapada do Araripe”.  Trata-se evento destinado ao reconhecimento, pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), do Cariri cearense – mais precisamente a Chapada do Araripe e seu entorno – como Patrimônio Cultural Imaterial do povo brasileiro. Além da Secretaria de Cultura do Ceará (Secult), Fundação Casa Grande, SESC e as universidades da região (URCA e UFCA) compõem o grupo realizador desse evento.

      Para Alemberg Quindins, presidente da Fundação Casa Grande de Nova Olinda: “Estamos tendo um cenário aonde o Cariri e o Ceará vivem hoje um bom momento entre as políticas culturais e avanços na Cultura Popular. O Cariri é um território mágico, mitológico, paleontológico, arqueológico. Ele une quatro estados brasileiros e atende importantes critérios da Unesco como patrimônio mundial: integridade, autenticidade e universalidade”.

        Já Fabiano Píuba, Secretário da Cultura do Ceará, ratificou: “Pensar em patrimônio cultural para o Cariri tem que estar associado ao patrimônio natural. O Cariri e sua Chapada do Araripe é um território profundamente marcado pela cultura popular e tradicional, ambiente de expressões e manifestações riquíssimas; ao tempo que hoje se tornou um polo acadêmico com uma rede de universidades públicas e privadas, tendo a URCA e a UFCA como as principais instituições; além de ser uma zona de desenvolvimento econômico em pleno crescimento e ser um destino turístico dos mais procurados no Brasil, seja por seus aspectos culturais e ambientais”. 

Um exemplo que vem de Londres

    Há 153 anos teve início, em Londres, um projeto de colocação de pequenas placas redondas, na cor azul, em algumas fachadas de casas daquela cidade. Essas placas esféricas preservam o legado de pessoas que nasceram ou viveram em Londres, e que – de alguma forma –deixaram sua marca na história daquela cidade. Antes de ser colocada a placa, a sugestão passa por um critério rigoroso. Aliás, as placas só são colocadas após 20 anos da morte do nomeado, ou se já tiver passado 100 anos do seu nascimento. Que bom exemplo para as cidades caririenses preservarem sua memória.

      Na foto ao lado, uma das "placas azuis" existentes em Londres. Esta assinala o prédio no qual morou, durante certo tempo, Mahatma Gandhi, o homem que conseguiu libertar a Índia do domínio inglês.


O desprezo pela memória do Cariri

Bangalô aristocrático que existiu em Juazeiro do Norte

     Vem de longe a destruição da memória (arquitetônica, histórica e de reminiscências) da região do Cariri. Crato e Juazeiro do Norte destruíram o seu patrimônio arquitetônico. Barbalha foi a única cidade do Cariri a cuidar dos antigos casarões.  Infelizmente, a destruição da memória ocorre de forma mais intensa em Juazeiro do Norte, a maior cidade do Cariri. Se fosse adotado, em Juazeiro, o projeto das placas azuis, que existe em Londres, não teríamos mais os locais para colocar placas homenageando pessoas como Amália Xavier de Oliveira, Padre Climério, Mestre Noza, Mons. Juviniano Barreto, Mauro Sampaio, Mons. Murilo de Sá Barreto e tantos outros que foram importantes, em certas épocas,  para a vida de Juazeiro.

      Tempos atrás, o jornalista Jurandy Temóteo escreveu o texto abaixo na revista “A Província”: “As más administrações públicas, a falsa ideia de modernismo, a ganância financeira, a indiferença de considerável parcela da nossa população e a impunidade estão fazendo do Crato uma terra sem memória arquitetônica.
“Prédios públicos e particulares, de inestimáveis valores históricos e arquitetônicos continuam sendo destruídos ou mutilados sem que providências realmente sérias e eficazes se concretizem. Que “Cidade da Cultura”, que “Município Modelo” é este que extermina seus valores culturais, mutila suas ruas, praças, monumentos? O que se tem feito e se continua a fazer contra Crato é um crime, uma barbárie. Até quando?”.

 Vinho “Terras do Crato”

     No último dia 15 de maio eu me encontrava na cidade de Fátima (Portugal) e entrei num restaurante (“O Recinto”) para almoçar. 

    Ao lado da minha mesa tinha uma prateleira expondo bons vinhos portugueses. Entre eles, havia o tinto “Terras do Crato”, fabricado no Crato português, cidade localizada na região do Alentejo. A uma pergunta sobre as características do vinho “Terras do Crato”, o funcionário do restaurante, no conhecido sotaque português explicou: “Trata-se de vinha na cor rubi, com aroma de notas de fruto vermelho maduro, complexo e intenso. Paladar equilibrado, taninos suaves e boa persistência. Vais a querer?” 

     O preço da garrafa era elevado. Desisti. Mas fica registrado,   para mostrar aos habitantes do Crato brasileiro, que o pequenino Crato do Alentejo português (com menos de quatro mil habitantes), produz excelentes vinhos.

Maria Caboré

    Ainda hoje presente no imaginário do povo de Crato, Maria Caboré, é tida como “santa” nas camadas mais simples da população cratense, 83 anos depois da morte dela.  Muita gente pede graças à alma de Maria Caboré e – alcançado o pedido – manda celebrar missas para ela. Recentemente, o advogado de Fortaleza, Geraldo Duarte, articulista do “Diário do Nordeste” publicou – naquele jornal – uma interessante crônica sobre Maria Caboré, que republicamos abaixo na íntegra.  A conferir:

“Espírito de anjo ornado em trapos

Túmulo de Maria Caboré ,no Cemitério Nossa Senhora da Piedade, em Crato

    "Este, o verso primeiro de poesia do Padre Raimundo Augusto, completado com “Perambulando pela rua ao léu, / Companheira fiel até dos sapos, / Ela tinha por lar o azul do céu.” (quadra inicial do poema “Maria Caboré”, ode daquele pároco dedicado ao, talvez, mais querido personagem do Crato das décadas de 20 e 30 do século passado, publicado na revista Itaytera. Filha de Caboré, coveiro, e Calumbi, roceira, moradores do distrito Matinha, Cícera Maria da Silva Almeida os viu morrer precocemente. Aluou-se. Deu-se a perambular na terra-natal do Padre Cícero e ganhou a apelidação de Maria Caboré.

    "Morena, estatura mediana, utilizava uma espécie de turbante e adornada de miçangas. Na Rua da Vala, hoje Tristão Gonçalves, onde mais vivia, supria as casas com água, retirava o lixo, servia de recadeira e, em troca, ganhava alimentação, roupas usadas e alguns trocados. Suas ética e lealdade, a toda prova, mereciam o respeito e a estima de todos. Honestidade e boa índole a complementavam.
No mundo ilusório era noiva do “Rei do Congo”, a quem sempre dedicou fidelidade. Dizia-se católica, frequentava a Igreja e confessava-se. Certa feita, notou que o sacerdote vestia calça sob a batina. Surpresa, declarou nas andanças: “Vige Maria, padre é homi!”. Encontrou um feto num dos entulhos daquela artéria. Levou-o à delegacia, entretanto, não envolvendo ninguém, alegou haver esquecido o local.

    "Vítima da peste bubônica que, em 1936, afligiu a cidade, foi interna no hospital improvisado no Seminário Diocesano São José, quando “faleceu piedosamente com a morte exemplar de um justo”, asseverou Padre Augusto. Para muitos cratenses e, até, nascidos noutras localidades caririenses, Maria Caboré é considerada espírito milagreiro deveras evocado. Seu túmulo, no Cemitério N. S. da Piedade, possui visitação frequente durante o ano, destacando-se no Dia de Finados”.

4 comentários:

  1. Mais uma vez parabéns e muito obrigado pela valiosa postagem.

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  2. Estava sentindo falta dessa coluna que aborda temas culturais/Históricos/sociológicos com boa escolha dos temas abordados. O Cariri é uma região privilegiada neste Brasil Continental. Parabéns pela coluna de hoje. De 0 a 10, merece 10 com certeza.

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  3. Estava sentindo falta do coluna que, de forma eclética, seleciona bons temas culturais/históricos e sociológicos. O Cariri é uma região privilegiada, tem características próprias como vem provando essa coluna.

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  4. Unknown - Os seus comentários agregam um valor sem tamanho igual as postagem. Trazem um reconhecimento ao Armando Rafael que servirá de encorajamento para novos textos, novas crônicas e novas postagens. Muito obrigado em nome dos leitores. Grande abraço.

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