“As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão
Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.”
Carlos Drummond de Andrade
J. Flávio Vieira.
A vida, se a gente reparar direitinho, parece uma Montanha Russa. Os primeiros anos, os mais dourados, como na subida da rampa, passam lentamente e é possível curtir a paisagem ao redor e até bater papo com os vizinhos de cadeiras, no trenzinho. Observando tudo miudinho do nosso observatório, do alto, bate-nos uma sensação de grandeza e onipotência. Chegado ao topo, no entanto, quando nos consideramos semideuses, de repente, a locomotiva desembesta. Velocidade alucinante, curvas fechadas, parafusos, loopings, frio na barriga. Aí já não há o que curtir, apenas agarrar-se à cadeira e esperar que , por fim, o carrinho esbarre. Em segundos, tudo transcorreu sem que ao menos o percebêssemos, até que alguém avisa para sair: seu passeio acabou ! Se a gente não cuidar , sequer fica a recordação da viagem curta, alucinante, mas incrível.
Recebi, nesses dias, o presente de um livro lançado recentemente: “Histórias, Causos & Proezas” do escritor Antônio Alves de Morais. Bateu-me uma alegria incontida porque Morais faz parte da minha viagem existencial, no parquinho. O livro é o diário de bordo também do meu passeio. Subimos a mesma rampa na juventude e, agora, estamos descendo a montanha na velocidade estonteante que se segue ao cume. Nascido em Várzea Alegre, como meus ascendentes, o autor tem aquela irreverência e fluição típicas da oralidade dos filhos de Papai Raimundo. Antonio é um memorialista intuitivo e franco. Anotou, cuidadosamente, imagens e passagens da nossa excursão pelo mundo: cenário, personagens, histórias: esse amálgama de que se constrói a nossa meteórica jornada terrestre. Teve o desvelo de registrar tudo, antes que o trem trave e sejamos , logo mais, convidados a descer da condução. Dividido entre Crato e Várzea Alegre, as páginas estão cheias de figuras expostas nas suas fragilidades, nos seus arroubos, nas suas guinadas e dribles. Um livro saboroso que, como os melhores Bordeaux, deve ir melhorando o buquê e diminuindo acidez com o passar dos anos.
A obra inicia com o inventário de professores queridos nossos, entre eles Vieirinha, meu pai, e José do Vale Feitosa, meu padrinho, e de doces anos da nossa formação ginasiana no Colégio Estadual Wilson Gonçalves. De repente, por um momento, é como se o trenzinho voltasse a subir. novamente. a rampa íngreme: tudo se passa em Câmara Lenta, a vida, como um caramelo que se dissolvesse morosamente na boca , parece novamente valer a pena de ser degustada,. E a felicidade , como num looping, torna-se possível e vejo-a bem ali à frente, logo depois do pico da montanha, tangível, ao alcance da palma da mão.
Crato, 15 de Junho de 2023
Meu caro amigo Dr. José Flávio. Você rebusca sem esquecer nenhum detalhe, a fase mais dourada de nossas vidas. Obrigado.
ResponderExcluirQue texto! Coisa de craque
ResponderExcluiro texto é de Wilton Bezerra, o craque é José Flávio
ResponderExcluirGeniais! O Dr. Zé Flávio, com quem tive o prazer de dividir (ou somar?) uma mesa em bodas de um casal amigo), e o Morais, um grande amigo que herdei de meu pai, Manoel Sampson Bezerra.
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