Ao nascer, demonstra para àquela pequena plateia, em uma sala de parto improvisada, um jeitão de menino sabido. Chora antes de a parteira lhe cortar o cordão umbilical, dando a descarada impressão de malandragem, esperando, na boquinha, o finíssimo e delicioso leite de peito. A felicidade jorra em goles festivos.
O pequeno Quequé, codinome que lhe acompanhará até o final de seus dias, tem uma vida de rei, como teria todas as crianças nascidas nos idos de 1930. O leite materno, provindo das mamas de sua genitora, era produzido à custa de doce de gergelim, coalhada escorrida e pirão de galinha caipira. Somem-se aí os licores de jenipapo e outras bebidas afins, com pequeno teor de álcool, permitidos nas entranhas dessas pequenas comunidades.
A infância é saudável e tranquila nas traquinagens e estripulias da vida. Joga peão, solta arraias, caça passarinhos e brinca de esconde-esconde, principalmente com as priminhas. De bobo, só tem o nome. Nas peças improvisadas é sempre o galã, não deixando para ninguém o famoso beijo final.
Quequé cresce, e com ele as suas travessuras. Corridas de jegues, de bicicletas, de cavalos de paus, lutas livres e queda de braços formam o seu dia a dia. Mas foi do alto de um coqueiro, no quintal do vizinho, que acontece o inevitável. Cai o menino travesso e com ele ascende a triste sina de uma cadeira de rodas.
Passa o susto e chega o conformismo. Com Quequé não há tristeza nem tempo ruim. Aprende rapidamente a manobrar o seu novo passatempo. Corridas em ladeiras empinadas, manobras perigosas e os modernos cavalos de paus, com freadas bruscas invertendo o sentido de seu veículo, davam graça a sua nova vida. A sua mãe se adapta fácil por não ver o filho deprimido, como é comum acontecer em casos trágicos.
O Quequé adolescente começa a demonstrar atividades, que de início, não desperta quaisquer suspeitas. Com certa frequência, em postos de saúde, instituições bancárias, nas escolas, ele inicia quadros convulsivos, que o leva sempre ao chão, devido à gravidade das convulsões. Contrações tônicas e clônicas atraem jovens e adultos a lhe prestarem socorro. - Foi só um susto! - Resmungavam aliviadas as recepcionistas das repartições públicas e as suas coleguinhas de saias curtas.
Passa algum tempo e Quequé é desmascarado. A sua simulação é apenas para ver de perto as calcinhas multicoloridas fazendo os ares de céu, e os famosos pares de coxas roliças que desfilam pelas ruas da cidade. A sua mãe tenta encontrar uma amante e companheira para o seu filho, já que o paraplégico não é tão deficiente como parece ser. Ele possui ereção e atração. É um tigrão enrustido e inescrupuloso. Porém, é seu único filho, já que o trabalho excessivo em criá-lo, retirou-lhe o sonho de ter outros filhos para a sua confirmação materna.
Quequé contrai núpcias, tem filhos e se torna um dono de casa exemplar. Sempre sentado ou deitado, bem tratado pela esposa e pelos filhos, e com o dinheiro da aposentadoria em dia, o torna um homem doce e educado. Enfim, um cidadão suportável, sem remorsos e lamentações.
De repente, durante uma madrugada de julho, mês de frio no nordeste brasileiro, ele sente uma forte convulsão. Contrações fortes, olhos arregalados, não mais para as calcinhas das jovens mancebas, mas para o telhado empoeirado de seu quarto. Sua companheira, bem mais velha do que ele, no auge de seu desespero, indaga-lhe:
- O que você deseja, meu amor? Quer um chá de erva cidreira? - Calmamente, ele responde: - Quero comer um prato de papa de carimã, bem cheio! – Após a lauta refeição ele se sente bem melhor e dorme o sono dos justos.
Madrugada seguinte, a mesma crise, a mesma conduta caseira. Sono tranquilo. Dia após dia, mês após mês, repete-se a mesma cena. Clínicos Gerais, Neurologistas, Psiquiatras, Rezadores, Eletroencefalogramas, Tomografias Computadorizadas e Ressonâncias Magnéticas não conseguem diagnosticar ou decifrar o tão instigante enigma. Esposa e filhos sofrem diante de tão difícil diagnóstico.
Certa manhã, Bilinha acorda com uma réstia em seu rosto. Salta da rede, em sobressalto, e vai até a cama aonde Quequé faz as suas noitadas. - Ele deve estar curado, pois não deu nenhum ataque nesta madrugada, pensa em voz alta. - Os primeiros raios do dia mostram o olhar fixo daquele astuto enfermo para o telhado empoeirado de seu quarto. Não mais existe vida naquele corpo inerte. Esvai-se a mamata.
Parabens Dr. Savio pela bela cronica.
ResponderExcluirGrande Morais, agradeço a gentileza. Um abraço.
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