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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Canudos - a longa agonia -- por Rosemberg Cariry (*)

Em 2017, comemoram-se 120 anos da Guerra de Canudos. Ao lembrar-me desse fato, rememoro o colonialismo mental forjado sob a influência do pensamento positivista no Brasil. Uma moda seguida por uma elite nacional europeizada, uma prova de que pensamentos mal digeridos, aplicados a outras realidades, culturas e processos civilizatórios, sem passar por sérios questionamentos, podem resultar em tragédias e graves crises humanitárias.

Foi o que aconteceu com Canudos. A jovem República positivista, ao destruir o arraial de Belo Monte, atingiu em cheio o Brasil real para construir um outro idealizado, segundo os parâmetros “civilizatórios” europeus. A sua fúria destrutiva contra uma simples comunidade autogerida de sertanejos pobres foi justificada via republicanismo (francês e norte-americano) que inspirou o modelo brasileiro; iluminismo racionalista, cientificista e fatalista da história e evolucionismo social, de inspiração darwiniana. Unidos para alimentar a ambição do lucro, esse ideário teria permanência garantida por boa parte do século XX, sob a indumentária de novos modismos, com teor neoliberal e tecnológico, submetidos aos mesmos interesses da soberana economia internacional-ocidental.

Quem destruiu Canudos – mais do que os canhões Krupp alemães e as tropas armadas de fuzis G’88 e metralhadoras Nordefelt – foi o ideário da elite-papagaio, educada para engolir o “positivismo” como pensamento formador de uma mentalidade incapaz de um esboço crítico à ideologia e aos interesses da “metrópole”.
No Rio de Janeiro, então capital da República, passada a orgia comemorativa e as patriotadas, os pobres soldados, rotos e famintos, sem terem moradias decentes, foram obrigados a ocupar os morros e os batizaram de “favelas” em homenagem ao Morro da Favela de Canudos, de onde posicionaram os canhões no bombardeio incessante à cidadela camponesa de Belo Monte, até a sua exterminação total.

Em São Paulo, as tropas de brasileiros pobres do exército nacional desfilaram pelas ruas, sendo saudadas com bandas tocando a Marselhesa, quando passaram em frente ao consulado francês. Supremo orgulho para a jovem República positivista, que tinha as mãos sujas de sangue. Se ontem era o positivismo, hoje é o neoliberalismo a imperar, como forma perversa de cegueira e alienação.

A Guerra de Canudos se prolonga, ainda visível, nos dias de hoje. O escritor e dramaturgo Ariano Suassuna põe o dedo na ferida aberta, quando escreve: “Em todos os lugares. Em todos os campos de atividade. Diariamente, incessantemente, [...] o Brasil (oficial) dos que incendiaram e arrasaram Canudos está atirando no Brasil real e matando seu povo”. Diante do massacre sem fim dos que estão embaixo, uma pergunta se impõe: com qual hino o neoliberalismo contemporâneo saudará as vítimas dessa política cruel e as novas procissões de miseráveis?

(*) Rosemberg Cariry, Cineasta e escritor
E-mail: ar.moura@uol.com.br

2 comentários:

  1. O genocídio que a recente República brasileira cometeu, no início da desastrada experiência republicana, 120 anos depois é ainda uma história ainda viva no sofrimento do Brasil.
    Uma história que precisa ser melhor contada, pois ela foi e continua sendo omitida no ensino da história as várias gerações brasileira. Canudos é uma chaga no coração do Brasil.
    Infelizmente muitas das misérias do tempo de Canudo ainda persistem. Na comunidade pensada por Antônio Conselheiro o pouco que tinha era divido com todos. Hoje, nesta decadente republiqueta o muito é divido com poucos. Uns com tanto e outros milhões sem nenhum. Em Canudos todos tinham trabalho. Não havia alcoolismo. Não havia prostituição. Veio as tropas republicanas e destruíram tudo isso.
    A Justiça de Deus, na voz da história, clama para que a Guerra de Canudos seja passado a limpo.

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  2. Uma das causas do Caldeirão foi sem duvidas Canudos alem de outros interesses não menos mesquinhos.

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