A mais antiga ação judicial do Brasil -- por José Luiz Lira (*)
Na
foto, o “Paço Isabel” (hoje denominado “Palácio Guanabara”) construído
com recursos particulares do casal Conde D’Eu–Princesa Isabel, a
Redentora. O imóvel foi ocupado por tropas militares (no governo
Floriano Peixoto) na noite do dia 23 de maio de 1894, quase cinco anos
depois do golpe de estado que instaurou a República no Brasil. Os
legítimos donos nunca receberam do Estado brasileiro nenhuma
indenização.
Lendo
postagem da Dra. Juliana Bragança, juíza de Guaraciaba do Norte, em
rede social, na qual ela cita o belo texto “A arte de ser juiz”, arte
que, por sinal, ela desempenha com maestria; lembrei-me da dita mais
antiga ação jurídica do Brasil.
Há
mais de dois anos, com o título “120 anos nos labirintos da Justiça”, a
revista Época publicou matéria sobre a desapropriação do Palácio
Isabel, da princesa Isabel, hoje a sede do governo do Rio de Janeiro,
cuja propriedade é tema de litígio sem fim que se arrasta no Judiciário
desde 1895.
O processo acumula
mais de mil páginas nos tribunais superiores. Segunda a reportagem,
“entre pastas verde e rosa, na prateleira metálica branca de número 65,
repousa um processo. Entre outros 708 da 1ª Vara da Justiça Federal do
Rio de Janeiro, o processo espera, letárgico, uma decisão de instâncias
superiores. Seu primeiro documento está a ponto de esfarelar. A página
amarela – papiro tem manchas de gotas, de muito manuseio. As bordas
estão remendadas com três tipos de durex. Da margem externa, falta um
pedaço. O cheiro é acre. Escrita à mão, com uma caligrafia tombada para a
direita, esparramada pelas linhas, a peça é a autuação que deu início a
uma ‘acção ordinária’. O Conde e a Condessa d’Eu (Princesa Isabel) são
os autores; a União, a autuada. O escrivão inaugura assim o processo:
‘Aos vinte e cinco de setembro de mil oitocentos e noventa e cinco...”.
O Dr. Alberto de Orleans e Bragança, advogado e professor de Direito,
príncipe, embora tenha renunciado seus direitos sucessórios ao trono
brasileiro, “diz que a propriedade foi invadida e tomada à força por
tropas militares, que expulsaram os empregados. A família estava no
exílio na Europa. Tomaram uma propriedade de maneira ilegal, violenta, e
isso nunca foi resolvido nos tribunais. A família não depende disso,
mas se a ação está aberta tem que ser julgada”.
A tomada oficial do imóvel se deu por tropas militares, na noite do dia
23 de maio de 1894, quase cinco anos depois do golpe de estado que
instaurou a República no Brasil, invasão ocorrida durante o governo de
Floriano Peixoto. Estranha-se, porque o imóvel foi construído com
recursos do casal d’Eu e se fora confiscado pela República naquele
fatídico 1889 porque se esperou tanto para apossar-se?
Considerando a dificuldade de comunicação entre o Brasil e a França,
onde vivia Dona Isabel do Brasil, ela e o marido, o Conde d’Eu,
ingressaram com ação para reaver o bem, em 24 de setembro de 1894. Eles
faleceram e pendenga judicial ficou. A Princesa, em vida, não pode
retornar ao Brasil; o Conde veio ao Brasil, em 1921, quando da
repatriação dos restos mortais de D. Pedro II e D. Teresa Cristina,
falecidos no exílio. Ele acabou falecendo um depois na viagem que
empreendia ao Brasil para a celebração do 1º centenário da Independência
do Brasil. A Princesa, a exemplo dos pais, morreu sem novamente pisar o
solo Pátrio.
As decisões tomadas
no processo, a 1ª em 1897 e uma das últimas, em 1996, foram a favor do
Governo que se apropriou de bem que não era seu. A essa ação foi apensa
outra, em 1955, impetrada por Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança,
que se tivesse chegado ao trono seria Dom Pedro III, na qual que pedia a
posse do palácio ou indenização.
Como se costuma dizer, aguardemos as cenas do próximo capítulo desse
processo que se constitui a maior novela desta República cada vez mais
privada e loteada nos meandros de Brasília.
Na
foto, a Princesa Isabel e seu marido, o Conde D’Eu, quando ainda viviam
no Brasil, antes do exílio forçado (na França) pelas novas autoridades
republicanas..
(*) José Luís Lira é
advogado. Coordenador do curso de Direito da Universidade Vale do
Acaraú–UVA, de Sobral (CE). Doutor em Direito e Mestre em Direito
Constitucional pela Universidade de Lomas de Zamora (Argentina) e
Pós-Doutor em Direito pela Universidade Federal de Messina (Itália).
Jornalista profissional. Pertence a diversas entidades científicas e
culturais brasileiras, sendo, também, autor de diversos livros.
(Artigo
publicado originalmente no jornal “Correio da Semana”, de Sobral.
Reproduzido neste blog após autorização concedida pelo autor).
Já dizia Ruy Barbosa: “A justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta.”
ResponderExcluirInobstante esta verdade, a “justiça tardia” tem sido a característica mais cruel desta decadente República Federativa do Brasil.
A tomada pela força, sem pagar nenhuma indenização é o mais clamoroso caso que continua em aberto, agora à espera de julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF). São 123 anos nos quais os membros da respeitável e admirável Família Imperial Brasileira aguardam há quatro gerações a solução desse problema.
Imaginem quantos milhões e milhões de reais o ex-governador Sérgio Cabral roubou por meio de cobrança de propinas quando “administrou” o Estado do Rio de Janeiro, agora proprietário do Paço Isabel, ou “Palácio Guanabra” como foi rebatizado pelos republicanos que dele se apropriaram em 1894.
Tudo isso é vergonhoso! Profundamente vergonhoso.
Um dia essa República terá de acertar conta dos seus desmandos com a Justiça Divina. E dessa ela não escapará pois – diferente da justiça dos homens – a de Deus é incorruptível...
Uma postagem digna de ser lida. Parabéns.
ResponderExcluirLuiz Roberto Barroso, ministro do STF tem feito declaração que escancaram o fracasso da justiça brasileira. Entre elas : "Os ricos só são honestos se quiserem, porque a justiça não os alcança".