Páginas


"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O RISO DA CAVEIRA - DR. MOZART CARDOSO DE ALENCAR.

Certo dia,
aqui, no Bairro de Brotas,
em Salvador da Bahia,
para estudar lições de Anatomia,
um esqueleto humano fui buscar,
num fosso do cenitério.
Desci pelos degraus cavados na barreira
Do antro deletério,
da vala insaciada,
do fosso imundo!
E ao chegar ao fundo....
quanta ossada!
Senti naquele instante a pequenez do mundo
e a grandeza do nada!
Aqui - eram tecidos moles em decomposição,
ali - um omoplata, uma tíbia, um peroneu,
em tudo, a podridão!
O menos podre era eu,
um intruso doutor.
desarmonizando o concerto fúnebre
do silêncio e da dor.
Quero, de pé, braços cruzados sobre o peito,
olhos fitos em tanto, trapo humano,
desejei que um dia a humanidade
em sua totalidade,
à beira daquela vala se debruçasse
e contemplasse
o antro da macabra furna,
a fauce da urna
que só recolhe os destroços
repugnantes,
horripilantes.
pelos, peles, músculos e ossos
dos nossos
semelhantes!
Talvez o orgulho, a inveja, a ambição,
o desprezo, a calúnia, o odio, a ingratidão,
renunciassem.....
desencarnassem....
e, comovidos, abraçassem
o pó daquele chão.
Depois, volvendo a vista, ao sopé da barreira,
uma caveira,
sob o zum-zum da mosca varejeira,
lançava-me um olhar desnaturado,
olhar de advertência tétricas, sombrias,
saído dos buracos das orbitas vazias!
Ela estava com a boca escancarada,
a mandíbula imobilizada
no jeito de uma gargalhada!
E, assim,
de lá, para mim,
ria e ria,
um riso mordaz, com a boca retorcida
na franca zombaria
de quem zomba da vida.

3 comentários:

  1. Todo orgulho, vaidade, prepotência, arrogância e riqueza material têm o mesmo fim. Uma pedra fria com as indefectíveis palavras - Aqui jaz.

    ResponderExcluir
  2. "Pra quê tanto orgulho, se até a lua falta uma banda"!

    Narcisa.

    ResponderExcluir
  3. Se as pessoas parassem para pensar na cena descrita no texto "O Riso da Caveira" (um belo texto) talvez elas se tornassem mais humanas e valorizassem mais a vida e os seus semelhantes, pois no final acabamos todos daquele jeito.Como disse o Blog do Sanharol no seu comentário, será que o orgulho, a vaidade, a prepotência, etc, Tudo isso vale a pena? Pare um instante e reflita.

    ResponderExcluir