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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


terça-feira, 14 de março de 2017

Em disputa, a Tornozeleira de Ouro do Cinismo - Por Ricardo Noblat

Mal a Lava Jato reabriu seus trabalhos este ano, e três nomes já se credenciaram à disputa pelo troféu Tornolozeira de Ouro do Cinismo de 2018: Emílio Odebrecht, atual presidente da empresa que leva o seu sobrenome; José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça do governo Dilma Rousseff, e o governador Luiz Fernando Pezão, do Rio de Janeiro.

Emílio e Cardozo depuseram, ontem, como testemunhas de defesa de Antonio Palocci (PT), detentor do título de primeiro ex-ministro da Fazenda a ser preso no Brasil. Pezão foi obrigado a explicar por que criou mais uma secretaria de Estado e nomeou para comandá-la uma ré na Lava Jato e aliada do ex-deputado Eduardo Cunha, preso em Curitiba.

Dos três, Pezão foi o mais simplório. Ele justificou assim a nomeação da ex-deputada Solange Almeida para tocar a Secretaria de Proteção e Apoio à Mulher e ao Idoso:

- A gente não pode sair criminalizando todo mundo que hoje tem uma acusação, senão, não vai sobrar ninguém. [...] Quanto à questão dela estar respondendo a processo, isso eu também estou. Assim como eu, ela tem direito a se defender. Enquanto não for condenada, acho que ela pode me ajudar muito na administração do Estado.

Sim, foi isso mesmo que você leu. O fato de Solange responder a processo da Lava Jato não a desmerece porque Pezão também responde. E, de resto, “enquanto não for condenada”, ela poderá ajudá-lo a administrar um Estado quebrado que deveria cortar despesas e não criá-las. O ataque de sinceridade de Pezão reduz em muito suas chances na disputa pelo troféu.

Mais erudito do que Pezão, Cardozo requentou a história preferida dos que acham que a corrupção é uma herança dos portugueses que  nos colonizaram, daí porque é tão difícil extirpá-la. Disse Cardozo:

- Não sei quando começou o caixa 2, mas a corrupção começou quando Pedro Álvares Cabral aqui chegou. Consta que Pero Vaz de Caminha, nas cartas, pediu emprego ao rei no Brasil.

Não pediu. Ele pediu ao Rei Dom Manoel I “a singular mercê” de libertar seu genro Jorge de Osório, degredado para a Ilha de São Tomé, na África, acusado de ter cometido um assalto à mão armada. Não se sabe se o pedido foi atendido. E, se foi, se o genro de Caminha foi mandado para o Brasil ou de volta a Portugal.

Quanto ao caixa 2, Cardozo afirmou que ele é “histórico e cultural”, embora nem sempre agasalhe “a prática de corrupção”. Quem causa a confusão entre caixa 2 e corrupção, segundo o ex-ministro, é o sistema político nacional, “anacrônico, atrasado, ultrapassado”. Em resumo: a corrupção começou com Caminha. Caixa 2 é problema do sistema político.

Emílio nem foi simplório como Pezão nem erudito como Cardozo. Foi essencialmente cínico. Está com as mãos no troféu, se ele não lhe for arrebatado antes que o ano acabe. Disse que nunca lhe foram pedidas vantagens indevidas, nem pelo PT nem por Palocci. A respeito de vantagens devidas, nada falou.

Sobre Palocci ser ou não o “italiano” mencionado por delatores da Odebrecht, repondeu:

- Existem muitos apelidos na organização, eu seria leviano, irresponsável. Ele (italiano) pode ser também nosso Palocci. (...) Não sei dizer se efetivamente era o doutor Palocci, mas com certeza ele também era identificado como "italiano".

(Em depoimento, também prestado ontem a Moro, o executivo da Odebrecht Márcio Faria declarou que o codinome ‘italiano’ em planilhas de propina da empreiteira se referia a Palocci.)

Emílio negou a existência de um departamento na Odebrecht estruturado para só cuidar do pagamento de propinas. “Não existiu nada disso formalizado, existiu um responsável por operacionalizar recursos não contabilizados”, garantiu. (Foi Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT e mensaleiro, quem cunhou a expressão “recursos não contabilizados”.)

Por fim, depois de admitir que seu pai, o fundador da Odebrecht, doou dinheiro de caixa 2 a partidos e a candidatos, que ele também, assim como seu filho Marcelo, lembrou que na sua época havia dois executivos encarregados da operação – “um já falecido e outro, hoje, com Alzheimer.”

Foi ou não foi um desfecho de depoimento brilhante?

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