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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


terça-feira, 9 de maio de 2017

A pobreza do primeiro bispo de Crato -- por Armando Lopes Rafael

   Quem via Dom Quintino vestido com sua indumentária de bispo – batina preta com faixa roxa à cintura, casas dos botões na mesma cor; cruz peitoral e anel, ambos de ouro – não podia imaginar que por dentro daquela imponência habitava uma pessoa pobre e de hábitos simples. Ele assim se vestia para cumprir as orientações da Igreja, àquela época.

Na verdade, Dom Quintino nunca aspirou a ser bispo (chegou a rejeitar a nomeação para a Diocese de Teresina), mas levava a sério a altíssima dignidade desse cargo. Além do mais, sabia separar a função episcopal da sua pessoa. Tinha ciência de que a cruz peitoral e o anel episcopal não eram dele, enquanto pessoal, individual, e sim representavam símbolos da sacralidade da hierarquia, na Igreja Católica, da qual ele era um lídimo representante.

   Sabemos que Dom Quintino era muito devoto de Santa Teresa de Jesus e se identificava com a espiritualidade carmelitana. Aí incluída a pobreza apostólica. No que consiste esta? Na imitação da pobreza de Cristo. Jesus foi pobre, desde o momento de sua concepção no seio da Virgem Maria. Depois, quis Ele nascer em Belém, na mais completa desnudez. E durante sua vida pública – conforme lemos nos Evangelhos – não tinha onde reclinar a cabeça, contentando-se, muitas vezes, com o dormir ao relento.

    Todos os que escreveram sobre o primeiro bispo de Crato são unânimes em reconhecer em Dom Quintino uma pessoa desapegada dos bens materiais. Durante os quatorze anos, nos quais foi bispo, residiu numa casa alugada – pagava trinta mil réis mensais – a um rico proprietário de Crato, José Rodrigues Monteiro.

    Padre Azarias Sobreira, no seu livro “O primeiro Bispo de Crato”, escreveu: “A muitos que só o conheceram superficialmente parecerá um paradoxo. Mas é fora de dúvida que Dom Quintino viveu pobre e morreu paupérrimo. Tirante os móveis de casa e as insígnias episcopais, o seu único legado foram os livros e um cavalo de estimação, que o vigário de Saboeiro, Padre José Francisco, lhe havia oferecido.

      “Dinheiro? Nem quanto bastasse para as custas do seu enterro. Propriedades? Nem sequer uma casa de palha. No entanto, S.Exa. passou quinze anos regendo a melhor paróquia do Estado (à época, Crato e Juazeiro reunidos), e outros tantos anos no governo de uma diocese brasileira.

     “Quando vigário de Crato, segundo teve ocasião de me dizer, mandou, diversas vezes, à casa do milionário José Rodrigues Monteiro, tomar de empréstimo o dinheiro necessário para a feira da semana (...) Vendo-o entrar na velhice sem ter feito a mais pequenina reserva pecuniária, tomei, um dia, a liberdade de aconselhá-lo a fazer seguro de vida. Deu-me a seguinte resposta o homem de Deus:
“– Eu ainda não ouvi contar que um padre de boa vida morresse de fome.

    “E continuou a só pensar na sua querida diocese e nos alunos do seminário diocesano, esquecido de si mesmo e dos seus pelo sangue”.
   Quando ocorreu a morte de Dom Quintino, a Cúria Diocesana não dispunha de dinheiro suficiente para seu sepultamento. Um cidadão cratense, José Gonçalves, abriu uma subscrição e saiu a percorrer residências e estabelecimentos comerciais angariando doações para o funeral do grande bispo. Graças a essa iniciativa, foram realizadas as exéquias daquele que, nos últimos quatorze anos, fora o homem mais importante do Cariri...

Um comentário:

  1. A história da Diocese do Crato e seus bispos se confunde com o Crato cidade da Cultura, município modelo e progressista. Se retirar a parte proveniente do trabalho da Diocese se verá a nulidade dos políticos.

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