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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


segunda-feira, 3 de abril de 2017

O MÉDICO QUE CONTA HISTÓRIAS - Dr. Napoleão Tavares Neves.


Aos 86 anos, Napoleão Tavares Neves cultiva uma memória impecável, um currículo extenso e mil histórias de encantar. Autor de livros sobre o cangaço, cronista talentoso e memorialista por vocação, ele foi também um dos primeiros médicos a se estabelecer em Barbalha, apadrinhado por Pio e Leão Sampaio, que lhe ensinaram que Medicina se faz com o coração. Para a CARIRI, Napoleão resgatou relatos que a história oficial ainda desconhece e que lhe foram contadas pelo povo simples do sertão, gente que pediu a bença a Padre Cícero e que olhou nos olhos de Lampião.

“Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo…”, Socorro Neves interrompe o silêncio mal o carro sai de Barbalha, recitando todo o Salmo 90. Segurando as contas do terço entre os dedos, ela reza por uma viagem segura ao longo dos 137km até Porteiras, enquanto o marido, Napoleão Tavares Neves, leva no colo um estojo com estetoscópio e prontuário e fala com empolgação sobre o que vê na paisagem já seca de agosto. “Aquele é o ponto mais extremo do sul da Chapada do Araripe”, ele ensina. Depois se vira para o banco de trás e pergunta, apontando mais ou menos ao leste: “Já foi em Missão Nova? Todo mundo acha que a primeira igreja do Cariri é a Sé do Crato, mas é uma que foi construída pelos capuchinhos bem ali”. Já chegando ao destino, o doutor mostra um lugar no horizonte: “Ali nas Guaríbas morava Chico Chicote. Sabe a história de Chico Chicote? A manhã em que a tropa do Tenente Zé Bezerra o atacou, em 1927, foi uma verdadeira epopeia nesse sertão”.

O rosário de Socorro durou a distância entre Missão Velha e Brejo Santo, mas a aula de geografia e história com Napoleão, se deixar, dura um dia inteiro. Naquela manhã de domingo, ele visitava as irmãs, Ranilda e Romilda, no distrito do Saco, na casa onde seu pai construiu um dos oito engenhos de rapadura que adoçaram a economia de Porteiras, quando este ainda era um distrito de Jardim. Porteiras tornou-se um município independente, depois veio a ser rebaixado novamente a distrito, ligando-se à cidade de Brejo Santo até se emancipar de vez, em 1953. O sítio foi basicamente batizado pela própria Chapada do Araripe, que o envolve como em um saco – visto de cima, é como se tivessem comido a Chapada em uma dentada. A casa de Joaquim Neves e Maria Tavares, pais de Napoleão, foi erguida justamente no recôndito desse U de 900 metros de altura, um semicírculo de cerca de 20km de comprimento, oito bocas d’água e uma imensidão verde, resistente às mais duras secas.

Do paraíso onde Napoleão passou os primeiros anos de sua infância ainda se avista, a duas léguas, a casa de Manoel Rosendo, seu avô materno, conhecido como Né Rosendo, para onde o menino corria todas as manhãs, montado em um cavalo de pau. Agora octogenário, Napoleão apoia uma bengala na mão e, na outra, carrega seu kit médico, aguardando a oportunidade de realizar uma consulta. Nem o chão entre as duas casas é mais o mesmo, já que a erosão e as chuvas torrenciais que desceram da serra nesse século que se passou criaram morros na área onde antes pastavam 800 cabeças de gado e existia uma plantação de cana-de-açúcar que era moída para mais de 1.500 engenhos do Cariri.

Um comentário:

  1. Reuni em paginas próximas alguns relatos do Dr. Napoleão Tavares Neves. Para facilitar a leitura aprazível e prazerosa.

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