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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


quinta-feira, 22 de março de 2012

SEXTA DE TEXTOS - Sávio Pinheiro

ALUCINAÇÃO

- Eu a vi muito bem, doutor! E não é invenção minha não! Ela vinha em nossa direção, girando que nem disco voador e fazendo um barulho irritante. O meu filhinho sempre se assusta com a cena. - Fala chorando, a mãe, em pânico. - Calma, minha senhora! Não precisa chorar tanto assim. Eu acredito no que você me diz.

Maria do Socorro era uma jovem mulher, recém-casada, moradora num pequeno sítio nas redondezas de uma pequena cidade do interior cearense. Era dócil, trabalhadeira, e amava muito o seu esposo Miguel, que gostava de tomar umas e outras nas bodegas da vizinhança, nas tardes de domingo.

Certa vez, sente grande crise nervosa, tendo de ser socorrida na emergência de um pequeno hospital. O médico, após exame minucioso do quadro clínico e da história pessoal e familiar da paciente, informa aos seus familiares que esta necessita de uma consulta psiquiátrica urgente, pois em sua avaliação preliminar desconfia que ela esteja tendo alucinações visuais e auditivas, o que caracteriza um quadro psicótico, ou seja, sintomas de loucura.

Os familiares, em pânico, decidem abraçar a causa, já que o descompromissado Miguel não tem a menor intenção de tratar da sua esposa. Só pensa nele e em seus amigos de farra. Acha que marido tem, apenas, que cuidar do trabalho braçal e colocar alimentos dentro de casa. É um machista genético e fenotipicamente atualizado.

Auxiliadora, irmã mais velha da enferma, separada e sem filhos, resolve utilizar as suas parcas economias para ajudar a caçula do lar dos Oliveira. Aluga um carro de praça e embarca rumo a um especialista das faculdades mentais.

- A sorte está lançada. Tia Zefa tinha problemas mentais, enfatiza Dorinha. - Vovó não batia bem da bola. Os primos que estão no Mato Grosso veem lobisomem dia de Sexta-feira e eu não durmo nem tomando calmante. Resta-nos, apenas, aguardar a avaliação do psiquiatra.

Finalmente, a hora é chegada. Éramos o terceiro da fila. Os outros dois pareciam estar no mundo da lua. Ao entrar naquela pequena sala senti uma frieza correr na espinhela. O que o médico nos tinha a dizer eu já imaginava saber, daí a minha ansiedade.

- Conte-me como tudo vem acontecendo... - indaga o doutor. Maria do Socorro inicia o seu relato. – É que eu estou sofrendo muito. Cozinho, lavo, passo e cuido de uma criança de colo. E todo domingo, por volta das cinco horas da tarde, que é a hora de dar banho no meu filhinho, eu vejo a mesma cena se repetir, e ninguém acredita em mim, como o senhor já sabe. O médico retruca: - O que eu não entendo, é a senhora ter estas crises de alucinações sempre no mesmo dia da semana e no mesmo horário...

Finalmente, Maria do Socorro se sente mais confiante e diz: - É que esta é a hora, que o Miguel chega bêbado em casa. E quando eu o enfrento com palavras duras ele reage, costumeiramente, da mesma forma comigo. – Como assim? - Pergunta o esculápio, interessado.

- Ele parte para me agredir. E ao tentar fugir com o meu filho, o safado dá um bicão na bacia cheia de água ensaboada com um coturno de soldado de polícia no pé, vindo esta rodando e zunindo na minha direção feito um objeto voador não identificado. Aí eu vejo!

5 comentários:

  1. Dr. Sávio Pinheiro

    Visão perfeita de um disco voador. fiquei pensando, será que essa visão de D. Maria do Socorro não explica o fato de a Elba Ramalho também, ter esse tipo de visão...

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  2. Dr Savio.

    O que um marido ruim não é capaz de fazer. A pobre mulher chegou a ver disco voador. Uma historia muito boa. Ri muito.

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  3. Ri bastante.Sera piada ou fato real?independente disso e muito engraçado.

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  4. Impressionante e bem bolado conto.

    Como sempre Dr. Sávio. Você é dez.

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  5. Eita! Poivinha,
    Você é bom no causo, na rima e na medicina.
    Estou esperando outra peleja daquelas.
    Abraço poético.

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