Páginas


"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


terça-feira, 9 de abril de 2013

MOMENTO DA PROSA - Por Claude Bloc

A casa grande
 - Claude Bloc -


Voltei à casa grande. A pouca luz interior de um fim de tarde dava-me a sensação de nunca ter saído dali.

Ainda na estrada sentia-me livre e com uma alegria inexplicável. Como uma criança que volta pra casa. Mas a casa, minha casa de infância, a cada vez que chego, ela me emociona e sempre que a vejo ali quieta, fica me fazendo perguntas que não sei responder. Aliás, tudo ali me faz sentir uma grande saudade e nenhum remédio poderia curar a falta que muita gente que circulou por essa casa me faz.

Dessa vez, subi os degraus do alpendre, um a um, bem devagar. Ao atingir o batente da porta fechei os olhos. Tateei a porta sentindo-me pequena. Segui de olhos quase fechados caminhando casa adentro. As paredes me diziam coisas que eu ia traduzindo aos poucos, passo a passo. Carinho, lembranças, histórias. Não achei quase nada de outras épocas pelos poucos móveis ali dispostos. As louças de minha mãe devem estar dispersas por aí, sabe-se lá nas mãos de quem. Há muita gente das redondezas que apostou que a casa ficaria abandonada depois da partida de minha mãe e foi entrando, e se apossando das coisas até não ficar quase nada. Só mesmo lembranças por entre a gente.

No canto do quarto de Mamy (minha avó) encontrei um pedaço do que foi meu guarda-roupa, sem mais gavetões, nem puxadores. Nada de envelopes quadrados, postais, letras de músicas, caligrafias de aparo - ouros raros – lá dentro. Há quanto tempo não escrevo uma carta? Perdi até o jeito...

Lembrei-me dos dias e das noites em que mamãe pacientemente tentava espantar meus medos noturnos. E do dia em que, eu esqueci as roupas no suporte da banheira, onde a água, gota a gota deslizava sorrateira empapando tudo, manchando a bela estampa florida que eu adorava, à medida em que a água perdia densidade com o calor do dia. Coisas de menina sonhadora, desligada, simples... Coisas de um tempo que não esqueço.

Na sala da frente, ainda obscura, a luz do quarto se refletia sobre  as duas almofadas cor de vinho. Postei-me lá quase imóvel, de lábios entreabertos, respiração forçada, esperando pelo cheiro da noite nesse lugar de mil silêncios.

Por que não escreveste um livro sobre a casa? Pergunto a mim mesma: essa alma sem asas, em arco, em queda... E não acho resposta. Apenas uma música que se denuncia – uma valsa longa e longínqua nas margens noturnas do açude.

No céu da madrugada chega a poesia, miríades, e, sob as pálpebras, a vontade de ficar ali.

Claude Bloc

11 comentários:

  1. Parabens Claude.

    Você escreve com um sentimento verdadeiro, puro e de saudade.

    Meus cumprimentos pelo belo texto.

    Antonio Morais

    ResponderExcluir
  2. Obrigada, Morais,

    Suas palavras são sempre um grande incentivo para mim.

    Abraço,

    Claude

    ResponderExcluir
  3. Interessante: mesmo sem conhecer a casa descrita por Claude, parecia que eu estava lá, vendo de perto o ambiente...

    ResponderExcluir
  4. Ainda há tempo para escrever sobre a casa.
    O cenário muito sugestivo ainda tá de pé e os fatos acontecidos você ainda guarda na memória.
    Passe para as letras os momentos vividos nesse paraíso.
    Eu posso dizer que já gostei do ensáio.

    Um abraço grande na varanda dessa casa.
    Futuro leitor.
    Mundim.

    ResponderExcluir
  5. Prezada CLAUDE, sempre me sinto empolgada pelo que você escreve. Leio atentamente as suas expressões, as suas mensagens, os seus escritos quer sejam na prosa, quer sejam na poesia; e me encanto com a explosão de sensibilidade, veracidade, emoções, lembranças, saudades, esperanças, admiração, sabedoria AMOR.. retratados nas suas composições literárias.
    Sinto que a sua memória e o seu coração estão sempre iluminados, dominados, pela grandeza do "SENHOR"... Esse é o estilo literário que, realmente, me prende a atenção, me motiva, me fascina.
    PARABÉNS pela sua casa, inda tão original, tão bonita, tão inspiradora...!!! PARABÉNS por esse maravilhoso texto, no qual fala a voz do coração..
    Cada dia aprendo mais com os seus nobres ensinamentos aqui compartilhados.
    Como precisamos no momento desse tipo de leitura.
    UMA FELIZ E ABENÇOADA NOITE..!!!
    GRANDE ABRAÇO...

    ISABEL VIEIRA.

    ResponderExcluir
  6. Armando,

    É aí que preciso de sua ajuda. Eu sempre torno minhas crônicas muito poéticas, com o sentimento que me move no momento.
    Queria com você fazer um esboço dessa história ainda merecendo um detalhamento com base nos fatos acontecidos antes mesmo de meu pai assumir a gerência da fazenda.

    Conto com sua ajuda.

    Abraço,

    Claude

    ResponderExcluir
  7. Mundim,

    Você precisa entrar na casa e sentir a energia que ainda circula por lá.

    Sabia que eu o transportaria até lá através das palavras. Nossa infância sertaneja proporciona esse elo entre palavra e lembranças de nosso tempo.

    Abraço fulorado

    Claude - Flor da Serra Verde.

    ResponderExcluir
  8. Isabel,

    Seu comentário faz com que meus escritos valham a pena de continuar a ser divulgados.

    Sua análise sobre mim e sobre o que escrevo são enriquecedores porque trazem luz sobre minha trajetória literária.

    Abraço e obrigada

    Claude

    ResponderExcluir
  9. Claude,

    Você é uma explosão de sentimentos. Uma plêiade de poemas com poesia única. A concretude da saudade.

    Um abraço.

    ResponderExcluir
  10. Parabéns pelo texto. Somente os grandes escritores nos fazem, no momento em que estamos discorrendo sobre as letras, sentir a essência de um ambiente imaginado. Seu estilo literário é diferenciado e muito realístico, ao mesmo tempo em que se torna envolvente e carismático. Parabéns de verdade.

    ResponderExcluir
  11. É...

    Claude:

    Que beleza de descrição.

    É muito gostoso volver ao passado e reviver os momentos inesquecíveis de outrora.

    Hoje percebemos que a nossa meninice não atentava para detalhes tão nosso, tão cheio de amor, que nossos ascendentes muito se precupava em nos passar.

    Sempre que visitamos o ambiente da nossa infância e adolescencia, sentimos a saudade avassaladora de momentos passados e adormecidos, e que vez ou outra volta a nossa memória.

    E este casarão deve te conduzir a um arrebatamento interior inimaginável recheado de felizes recordações. A energia do amor que lá ficou armazenada, certamente te proporciona muita paz.

    Um grande abraço pra você

    Vicente Almeida

    ResponderExcluir