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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


terça-feira, 18 de julho de 2017

Contos varzealegrenses - Por Professor Antônio Dantas


Obrigado por lembrar do meu tio, Luiz Dantas. Aquele foi grande batalhador que deixou saudades muito cedo. Lembro-me da última vez que o visitei, lá pelos idos de 67. Eu estava no penúltimo ano da Universidade e havia casado há pouco tempo. Todas férias eu lecionava português numa universidade vizinha, mas naquele ano, por causa do casamento não pude me deslocar. Assim mesmo, ganhei um bom dinheiro trabalhando durante o dia como salva-vida numa praia de um rio e a noite carregando caminhão de uma empresa transportadora de encomendas. Com a grana na mão, achei que estava na hora de visitar os parentes.

Minha mãe, que nunca deixou de visitar os parentes todos os anos, já estava em Várzea Alegre me esperando. Quando cheguei lá, Luiz foi de um gentileza que ainda tenho saudade daquela bondade dele. Eu queria visitar meu tio Marcelino, de saudosa lembrança, que morava no recanto a beira do Riacho da Fortuna. Luiz se ofereceu para me levar até o Recanto, onde meu tio Marcelino morava.

Quando chegamos ao Recanto, o alvoroço das primas e da família inteira foi tão grande que as abelhas africanas não aguentaram e partiram para o ataque. Não deu nem tempo abraçar todos. A ferocidade das abelhas foi tão grande que tivemos que correr por dentro uma plantação de milho para nos livrar das ferroadas.

Meu tio, que nunca teve medo de nada, não quis brincadeira. Preparou um facho de fogo e foi direto as colmeias e, sem proteção alguma, destruiu tudo com a mesma vontade das abelhas. As colmeias eram do filho dele que estava fazendo uma experiencia com as africanas. Fiquei devendo o mel ao primo!

Na volta pra Várzea Alegre tivemos dificuldades atravessa o Riacho do Machado e ficamos um bom tempo esperando um caminhão abri caminho. Finalmente, chegamos tarde da noite e no dia seguinte fomos visitar os parentes no Baixio. Cada visita era um momento de grande satisfação. Não posso esquecer!

A viagem foi cheia de surpresa. Quando voltei para o Crato, fui até o correio enviar um telegrama avisando meu irmão que chegaria em Fortaleza lá pelas 4 horas da tarde. A moça que me atendeu no correio foi muito esperta e perguntou – mas o senhor não viaja nesse avião da tarde? – Sim, respondi. Ela olhou pra mim um pouco decepcionada e disse – então não mande esse telegrama, não. Ele vai no mesmo avião.

Ontem o tema dos comentários sobre o conto que você postou foi a saudade. Hoje, você avivou as minhas falando do tio Luiz. Quando lembro das minhas visitas e as saudades apertam. Infelizmente, atualmente no Baixio, existem poucos pra serem visitados, apenas dois tios e a viúva do tio Luiz. Essa é a parte mais triste de toda essas andanças minhas. Quando estamos ausente da terra, temos aquela esperança de que ao voltarmos vamos encontrar todos e tudo do mesmo jeito. A volta não mata a saudades, mas sempre traz alguma tristeza e decepção. Ms precisamos voltar para não ser enganados pelo tempo. Voltar ao Baixio e não encontrar meu avô, Luiz e Zé Carlos é a parte mais dolorosa da viagem. Mas ela é necessária para confirmar e tirar todas as dúvidas.

Certa vez aqui, nos Estados Unidos, reclamei para um amigo das saudades que tinha de minha terra. No dia seguinte, ele chegou lá em casa e me presenteou com um livro, cujo título é: You Can't Go Back Home (Você não pode voltar pra casa). Li o livro e discordei. Lembranças do que é bom não é uma questão de lógica, mas de sentimentos. É isso que nos torna humanos. 
Obrigado, 

Antonio Dantas

Um comentário:

  1. Professor Antonio Dantas.

    O seu texto é de prazerosa leitura. Especialmente pra mim que conheci e conheço os lugares e as pessoas nele contidas.

    De Luiz Dantas somos eternos devedores de sua amizade. Homem calmo, manso, honrado e decente. Deus quando toma com uma mão devolve com a outra e, assim é que fez. Levou pra junto Luiz Dantas pai e nos deu o Luizinho Filho que representa com honras e glorias a familia Dantas.

    Muito bom saber que existem pessoas que sabem lembrar, que sentem saudade da memoria do povo. Digo sempre que um povo sem passado é um povo sem futuro.

    Fiquei sensibilizado com seu conto.

    Grande abraço.

    Antonio Morais

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