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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

O último Santo do Nordeste - Por Ricardo Noblat.

Ricardo Noblat.

Que faz ali a mocinha de minissaia e sorriso de dentes estragados a olhar curiosa o corpo de Frei Damião, que repousa no caixão de madeira tosca plantado diante do altar principal da centenária Basílica de Nossa Senhora da Penha, no centro do Recife, entre os altares laterais do Sagrado Coração de Jesus e de Nossa Senhora das Dores, e sob os coloridos afrescos pintados no inicio do século por Murilo Legrete?

Maria dos Prazeres, garçonete,  de 19 anos, não sabe que, em vida, Frei Damião condenava a moda impura das saias acima dos joelhos, responsável pela perdição de muitos homens!

E o homem de barba por fazer, bermuda barata, dorso seminu, arrastando um par de sandálias roídas pelo tempo e com um halito de cachaça barata. O que faz também ele ali diante do caixão! O álcool destrói a saúde dos filhos de Déus, pregava encolerizado Frei Damião, e faz os homens se aproximarem mais rapidamente das portas do inferno. 

José Porfírio dos Santos, 43 anos, estivador do cais do porto de Recife, testemunhou certa vez o religioso  expulsar da basílica um bêbado incomodo, Mas nem por isso abandonou o vicio.

Diante do caixão velado por uma guarda  de honra formada por cadetes da Policia Militar de Pernambuco, desfilaram puros de almas com rosários nas mãos e pecadores envergonhados, curiosos, insones, bêbados contidos, e prostitutas bem comportadas na primeira madrugada dos três dias de velório daquele que é considerado o ultimo santo do nordeste.

Frei Damião era coisa de pobre e ignorante, os ricos e intelectualizados não o escutavam. E foram os pobres, os marginalizados de tudo, que preferencialmente correram a Basílica da Penha para vê-lo pela ultima vez e chorar por ele. 

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