O CELULAR
SINOPSE
O Teatro de Rua tem como objetivo principal devolver a Arte Cênica ao povo, para que este não seja privilégio das classes mais favorecidas. Tem como característica dominante possuir uma linguagem simples e de fácil entendimento para facilitar o processo da comunicação.
No Ceará, a coisa não seria diferente, se não existisse uma pimentinha a mais: a maneira sutil e natural de se fazer humor do seu próprio sofrimento.
A fonte de inspiração desta peça é o cotidiano doméstico de um casal de classe média baixa, com marido não confiável e mulher desconfiada. Aquele, chega em casa alcoolizado sentindo forte dor de cabeça, mal estar geral e vontade de vomitar. Esposa aborrecida faz ironia da situação não acreditando no estado de saúde do cônjuge. A empregada emite a sua opinião dizendo tratar-se de Dengue. A esposa retruca dizendo ser Dengo. Após pequena discussão as duas chegam a conclusão que o doente precisa de ajuda. Após exame médico minucioso a surpresa é geral. O paciente é portador de Cirrose Hepática e a doença já se encontra em estado muito avançado. O médico orienta para ele permanecer em casa com os familiares e com os amigos. Após período conturbado o paciente morre. O velório transcorre em clima bem cearense, com muitas surpresas. No final, o celular toca e quem atende surpreende a todos.
Cenário: o domicílio.
Enredo: Marido chega em casa, alcoolizado, sentindo forte dor de cabeça, mal estar geral e náuseas. Esposa aborrecida faz ironia da situação não acreditando no estado de saúde do cônjuge. A empregada emite a sua opinião dizendo tratar-se de Dengue. A esposa retruca dizendo ser Dengo. Após pequena discussão as duas chegam a conclusão que o doente precisa de ajuda. Após exame médico minucioso a surpresa é geral. O paciente é portador de Cirrose Hepática e a doença já se encontra em estado muito avançado. O médico orienta para ele permanecer em casa com os familiares e com os amigos. Após período conturbado o paciente morre. O velório transcorre em clima bem cearense, com muitas surpresas. No final, o celular toca e quem atende surpreende a todos.
Personagens:
1.Zé Caneco: Dono de casa, desempregado, boa vida e sem muita preocupação com o passado, o presente ou o futuro.
2.Turmalina: Professora do curso primário, dona de casa, mal remunerada e com o salário atrasado.
3.Zaruca: Empregada doméstica, desinibida, mal-educada, intrometida e morando há muitos anos na mesma casa.
4.Papudinho: Estatura baixa, gordinho, educado e grande amigo de Zé Caneco.
5.Dr. Capotão: Médico do PSF da área do falecido, extrovertido e com tique nervoso irritante.
6.Dona Mimosa: Dona da funerária “Vem que Tem”, bastante inteligente e financista.
No domicílio:
Turmalina: São quase onze horas da noite e aquele desgraçado não aparece, Zaruca! Será se ele foi sequestrado?
Zaruca: Sequestrado? Dona Turmalina. Quem vai querer sequestrar uma molesta daquela! Só se for algum milionário excêntrico querendo aparecer na mídia. A família daquele ali não tem nem aonde cair morta.
Turmalina: Precisa humilhar não, viu? Zé Caneco é pobre, mas é honesto. É verdade, que ele tem os seus defeitos, mas quem não tem?
Zaruca:
É honesto, sim senhora!
Tendo mulher e bebida
Não lhe faltando comida
Ronca e peida na espora.
Turmalina:
Chega pra lá, traste ruim!
Não fala de teu patrão,
Pois se ele souber te mata
De roçadeira e facão.
Enquanto isso, batem na porta.
Zé Caneco: Turmalina... Turmalina... Onde você está?
Turmalina: Estou aqui, Zé, te esperando como sempre. Há mais de quatro horas penso besteira a teu respeito. Imaginei até você sendo raptado.
Zé Caneco: Tá ficando doida, mulher? Eu estou aqui é todo quebrado: com dor no corpo, dor de cabeça, empachamento e gastura. Acho que estou muito doente.
Turmalina: Você está é bêbado, Zé! Você já passou da quinta. E essa mancha vermelha aí no seu pescoço? O que significa? Está brincando comigo?
Zé Caneco: Turmalina, preste atenção. Eu estou dizendo que estou muito doente. Não há tempo para discussão besta.
Turmalina: Discussão besta? Você não tem vergonha nesta cara, não? Além de você não trabalhar, ter roupa lavada e passada, comidinha na hora certa, xerequinha na hora incerta, ainda chega reclamando?
Enquanto isso, interrompe Zaruca.
Zaruca: Calma, dona Turmalina! Veja estas manchas vermelhas na pele de Seu Zé Caneco. Parece Dengue.
Turmalina: Dengue, Zaruca? Isso é Dengo. Esse marmanjo quer é sombra e água fresca.
Zaruca: É Dengue, dona Turmalina.
Turmalina: É Dengo, Zaruca.
Zaruca: É Dengue, dona Turmalina. É Dengue hemorrágico.
Turmalina: Não é, Zaruca, é Dengo demagógico. Essas manchas que você está vendo são manchas de batom, sua idiota!
Zaruca: Vamos chamar o médico, que é o melhor que podemos fazer.
Fala isso se dirigindo ao telefone
Zaruca: É da residência do Dr. Capotão? Ele está? Diga-lhe para vir com urgência aqui na residência de Dona Turmalina, digo, de Seu Zé Caneco, pois o mesmo não está nada bem. Obrigada.
Zaruca: Ele está vindo, dona Turmalina. O Dr. Capotão é um médico muito bom. O povo fala muito bem dele. Agora, como eu sou faladeira mesmo, eu acho ele meio carente de juízo. Tem cada cesto, cada cacoete, cada tique nervoso, que só vendo.
Turmalina: Ô, língua de trapo, tu que sempre falou de Deus e do Diabo e sabe de có-salteado da vida do povo, me diz: Por que chamam esse doutorzinho de Dr. Capotão?
Zaruca: É que ele trabalha no Programa Saúde da Família durante o dia e recebe muito presente de capote, pois ele atua no meio rural. E de tanto comer a famosa galinha de Angola já engordou vários quilos, aumentou o colesterol e pegou um tique nervoso, que só vendo.
Turmalina: E que tique nervoso é esse, Zaruca?
Zaruca: Você vai ver, você vai ver!
Enquanto isso, batem palmas lá fora.
Zaruca: Deve ser o Dr. Capotão.
Zaruca dirige-se à porta para atendê-lo
Zaruca: Olá doutor. Entre, por favor.
O Dr. Capotão entra na casa e dirige-se para dona Turmalina, que se encontra andando de um lado para outro, preocupada e irritada com a situação.
Dr. Capotão: Soube que o seu Zé Caneco não está muito bem, o que houve com ele? (cacoete: tô fraco, tô fraco) Alguma coisa grave?
Dona Turmalina faz um ar de espanto ao descobrir o cacoete do Dr. Capotão
Turmalina: O Zé Caneco anda bebendo demais, doutor. Nunca para antes da quinta. Não pode ver um copo cheio, que logo quer consumi-lo. E hoje à noite, além de bêbado, o desgraçado chegou reclamando de mil e uma mazelas. Mas acho que é só invenção... Ele está querendo é me tapear.
Dona Turmalina conduz o doutor até o enfermo, que se encontra sentado numa cama alta, bastante sonolento.
Dr. Capotão: Boa noite, seu Zé (cacoete: tô fraco, tô fraco) Zé Caneco! Sou o doutor Capotão. O que o senhor sente?
Zé Caneco: Olá doutor. Eu venho me sentindo muito fraco ultimamente. Não havia falado ainda pra não preocupar a minha mulher. Sinto muita gastura, a comida não constrói e venho notando também a barriga um pouco aumentada. Mas o que me deixou muito nervoso é que venho notando o meu olho amarelar. O que significa isso, doutor?
Dr. Capotão: Preciso te examinar primeiro. Só após esse exame (cacoete: tô fraco, tô fraco) é que posso fazer um diagnóstico. Gostaria de examiná-lo deitado.
O paciente deita-se, é examinado e o médico exclama.
Dr. Capotão: Seu Zé Caneco, o senhor parece estar com Cirrose (cacoete: tô fraco, tô fraco) Hepática, uma doença que pode se tornar grave se não for tratada a tempo. O senhor precisa deixar de beber imediatamente (cacoete: tô fraco, tô fraco) e fazer alguns exames de sangue para confirmar o diagnóstico.
Turmalina chama o médico para um canto da sala e o aborda secamente.
Turmalina: Cirrose é doença grave, doutor?
Dr. Capotão: Depende do estágio que ela se encontre. No caso de seu Zé Caneco ela parece estar bem avançada. Mas temos que ter muita fé (cacoete: tô fraco, tô fraco) em Deus. Só um milagre poderá salvar o seu marido.
Turmalina: (chorando e gritando numa crescente de histeria) O senhor está querendo dizer que o meu Canequinho vai partir desta vida terrena? Que ele vai nos deixar só, neste mundão de meu Deus? Que eu não vou mais abrir esta porta pra ele, altas horas, quando chega de suas noitadas? Eu não posso acreditar... Eu não quero acreditar, doutor! (chora copiosamente)
Dr. Capotão: Tenha calma, dona Turmalina. O homem não morreu ainda. Temos de pensar em algo para (cacoete: tô fraco, tô fraco) aliviar o seu sofrimento. Eu sugiro que o seu tratamento seja feito em casa, próximo aos amigos e aos parentes.
Turmalina: Ele vai durar muito ainda, doutor? Tenho que ver o seu seguro de vida e a sua previdência privada, imediatamente. Estou até emocionada só de pensar que vou meter a mão naquela grana toda.
Dr. Capotão: Mantenha a calma, dona Turmalina. Não vá com muita sede ao pote, (cacoete: tô fraco, tô fraco), pois o seu marido pode viver muito, ainda. O futuro à Deus pertence. Boa noite.
Dr. Capotão retira-se do recinto e vai embora. Enquanto isso, Zaruca se aproxima da patroa.
Zaruca: E aí dona Turmalina, o homem vai ou não vai?
Turmalina: Vira essa boca pra lá, traste ruim. Respeita um pouco o teu patrão.
Zaruca: A senhora pensa que eu não ouvi a sua conversa com o doutor Capotão? Muitos anos de minha vida estão enterrados nesta casa e a minha indenização está no seguro de vida de seu Zé Caneco. Não é brinquedo, não!
Turmalina: Por acaso, você está querendo me chantagear, Zaruca?
Zaruca: Não senhora! Dona Turmalina. Eu estou só lhe lembrando.
Nesse momento, Zé Caneco grita em desespero.
Zé Caneco:
Acuda-me, Turmalina!
Pois acho que estou morrendo
Desta vez eu vou pra quinta
Só que a quinta dos infernos.
Todos vão até o leito do doente, constatam que ele está morrendo e começam a rezar a Ave Maria. Zé Caneco, enquanto agoniza, interrompe a oração com versos improvisados.
Todos: Ave Maria, cheia de graça!...
Zé Caneco:
A cachaça é coisa boa
De noite no cabaré,
Porém é ruim quando mata
Enviuvando a mulher.
Todos: Ave Maria, cheia de graça!
Zé Caneco:
Sei que a mulher vai ficar
Com toda a minha herança
E aqui na terra irá gastar
Ralando a pança na pança.
Zé Caneco morre e todos terminam a Ave Maria.
Todos:
Ave Maria, cheia de graça!
O senhor é convosco
Bendita sois vós, entre as mulheres!
Bendito é o fruto
Do vosso ventre, Jesus!
Zaruca: Dona Turmalina, eu vou ligar novamente para o doutor Capotão e para a emissora de rádio avisando da morte de meu patrão.
Turmalina: Ligue também para o meu advogado e diga-lhe que preciso falar-lhe com urgência. E também providencie uns óculos escuros para mim. E não esqueça dos lenços de papel para não borrar a minha maquiagem, entendeu?
Após algum tempo chega novamente à residência o Dr. Capotão. Turmalina chora, grita e gesticula em crise de histeria.
Dr. Capotão: Aceite meus pêsames, (cacoete: tô fraco, tô fraco) dona Turmalina.
Turmalina: Dr. Capotão... Ai, Dr. Capotão... Eu não posso acreditar que ele se foi tão rapidamente, Dr. Capotão. Ele era uma pessoa tão boa! Era uma pessoa tão amiga! Tão maravilhosa! Tão cheia de vida! Dr. Capotão.
Passado este primeiro momento Turmalina permanece chorando baixinho ao lado do marido morto. Eis que chega Papudinho, grande amigo e companheiro de farras de Zé Caneco.
Papudinho: Sinto muito, dona Turmalina.
Turmalina reinicia toda a crise de histeria tentando chamar a atenção das pessoas ali presentes.
Turmalina: Isso é tu, Papudinho? É tu mesmo que está aqui, Papudinho? Quantas lembranças você traz dele, Papudinho? Relembro agora mesmo o festival de chope que vocês foram, a vaquejada do Orós, a exposição do Crato, a festa do chitão do Cedro, os forrós do CSU. Pra que você se foi, Zé Caneco? Meu Caquinho! Meu Nequinho! Meu Canequinho!
Passado este segundo momento Turmalina permanece chorando baixinho ao lado do marido morto. Eis que chega dona Mimosa, dona da funerária “Vem que Tem”, a qual não perde um velório ou um enterro.
Dona Mimosa: Aceite as minhas cordiais condolências senhora dona Turmalina. Senti muito o que aconteceu ao seu falecido marido. E sou franca em lhe falar, que vim correndo, assim que soube desta trágica notícia. Primeiro, em nome da nossa amizade e da nossa fé, e segundo, para lhe dizer da promoção especial que temos na nossa funerária, a funerária “Vem que Tem”. Estamos com preços baixíssimos e com traslado completo. É pegar ou largar!
Enquanto isso, toca um celular. As pessoas, na sala de velório, entreolham-se tentando descobrir de onde vem aquele som irritante naquele momento impróprio. De repente, o falecido senta-se no leito, com um tubo de cachaça na mão (um celular) e exclama:
Zé Caneco: Alô!
Nesse momento, os atores, de mãos dadas, despedem-se do público.
Magnólia,
ResponderExcluirEstou em um plantão movimentadíssimo e não consigo melhorar esta postagem. Roubei estes cinco minutinhos, porém não disponho de mais tempo. Qualquer ajuda sua no design será de bom grado.
Um abraço.
Dr. Savio.
ResponderExcluirParabens. Uma bela postagem. Muito boa mesmo.
É, e ainda disseram que o pobre do Morais tava caducando! Viu só, as postagens dela sumiram!
ResponderExcluirOntem, Mag Flor, não consegui postar um comentário sequer!
Grande Sávio Pinheiro
ResponderExcluirUma belíssima peça de teatro. Bem ao gênero de Cordel encantado onde mistura prosa com algumas cenas de cordel. Dr, o que terá feito o morto atender o celular? Seria o efeito etílico ainda existente em seu organismo? A escolha dos nomes dos personagens já conta um pouco da história.
Muito boa!rere
Sávio,
ResponderExcluirvocê fez a gente rir com Zé Caneco
Muita interessante essa postagem...de fazer a gente rir mesmo pra valer...PARABÉNS , meu caro DR. SÁVIO.
ResponderExcluirSávio, aposto que nesse Plantão havia net e tinha área para CELULAR! Ou era o celular do defunto?kkkkkkkkk Você é deveras um bom escritor. Parabéns!
ResponderExcluirTia Fidera.