Vocês recordam em que ano o rapp/funk “EGUINHA POCOTÓ” foi o maior sucesso do carnaval? Essa história que eu vou contar agora aconteceu nesse ano.
Eu não esqueci esse momento da nossa MPB porque os produtores de eventos, diretores de clubes sociais, secretários municipais etc., boicotaram minha orquestra carnavalesca depois que eu tinha ensaiado durante três meses e investido uma boa grana. Todos deram preferências as bandas que começavam o show, tocavam dez vezes durante e terminavam cantando a grande obra “EGUINHA POCOTÓ”. Nosso país tem dessas coisas.
Uma semana após o carnaval daquele ano, saldo bancário no vermelho, contas acumuladas, liseira, músicos me pedindo dinheiro emprestado etc., eu atendi um telefonema de são Paulo, nove horas da manhã.
É o Sr. João Dino? Um momento, o Juiz Dr. Fulano de Tal está querendo falar com o senhor.
Era só o que faltava para fechar o balanço. Eu fiquei logo irritado. Peguei corda e falei: Distinta, a senhora ligou para a pessoa certa? Eu não tenho qualquer problema com a justiça. Eu estive em São Paulo em 1976 e não fiquei devendo nada por aí. Só trabalhei como burro de carga fabricando esquadrias metálicas. Eu não sou réu nem em processos de pensões alimentícias. Apenas no Ministério do Trabalho de Juazeiro do Norte (CE), porque os serventuários, advogados e juízes insistem em me tratar como empresário, eu sou vítima em quatro reclamações trabalhistas improcedentes (Se alguém quiser conferir acesse os processos 512-2001-028-07-00-2, 004, 005 e 006-2004-28-07-00-1)...
Enquanto eu falava com os nervos à flor da pele a moça dizia: calma, calma, calma Sr. João Dino. Não é assunto de justiça não... Um momento... Dr. Fulano está na linha...
Um cidadão muito educado, com aquela voz serena, falou: Bom dia João. Tudo bem? Suas cordas vocais ainda estão afinadas daquele mesmo jeito? Eu sou Juiz aqui na comarca de São Paulo. Mas quando vou passar férias aí na região eu viro macaco de auditório nas suas serestas. Para falar a verdade eu sou um sanfoneiro frustrado porque seu músico Mazinho toca melhor do que eu. Sempre canto com você. Lembrou agora? João, minha mãe vai completar 80 anos no 2º domingo do mês de maio. Nossa família quer fazer uma grande festa. Você a conhece, é D. Luzia. Ela é sua fã, e exigiu que você fosse contratado para cantar na missa e na recepção dos convidados, que irá acontecer no clube social da cidade. Olhe aí sua agenda, diga-me se é possível, e quanto é o seu cachê para levar a banda completa, com som e iluminação.
Eu respirei aliviado. Coordenei as idéias. Fiz um rápido cálculo e disse: É R$ X. O Juiz confirmou: fechado. Informe para a minha secretária o número de sua conta. Ela vai providenciar a transferência agora.
Imaginem vocês como é bom ser cantor. Caboclo amanhece liso. Um telefonema muda o rumo das coisas. Esse magistrado caiu do céu. Meia hora depois a conta estava recheada de notas de R$ 50,00.
Chegou o dia da grande festa. A cidadezinha parou. Convidados de toda região. Mais de 600 no total. Contando com a minha equipe de músicos e auxiliares do serviço de som mais de 80 pessoas estavam trabalhando nesse evento. O Buffet super organizado. O clube decorado do piso ao teto. Muita iluminação. Duas filmadoras registravam toda a movimentação dos convidados.
Eu sou muito observador (Isso às vezes até me faz mal). Desta vez eu percebi que no convite da festa foram relacionados 11 filhos. E quando a organizadora da festa separou em alas diferentes os bisnetos, netos e os filhos de D. Luzia, eu só enxergava 10. Faltava um.
Também investiguei que não havia nome “in memorium” .
Finalmente o momento mais esperado da festa. Todos os familiares posicionados ao redor do bolo para D. Luzia cortar a 1ª fatia. Utilizando um microfone sem fio eu entrei cantando a música do saudoso palhaço Carequinha, “Feliz aniversário”. Depois daquela calorosa salva de palmas eu permaneci ao lado da aniversariante. Faz parte do meu show a animação do corte do bolo. Nessa hora eu fiquei perguntando aos convidados: quem será que vai ter o privilégio de receber a 1ª fatia desse bolo? Com certeza vai ser uma pessoa muito importante, muito querida por D. Luzia.
A velhinha pegou a faca, cortou a 1ª fatia do bolo, colocou num pratinho de papelão, e com aquele andar natural dos octogenários ela saiu desfilando no salão procurando por uma pessoa que não estava ali entre os familiares.
E lá vou eu cantando parabéns com o coro e as palmas dos convidados. Duas câmeras filmando tudo. Cabos se enroscando entre as pernas das pessoas. E D. Luzia com o pratinho de bolo nas mães procurando uma pessoa que ninguém sabia quem era.
Ela passou pelo ala dos bisnetos e dos netos. Encarou cada um dos filhos que estavam ao redor do bolo. Passou pelo Prefeito, pelo Presidente da Câmara, pelo Chefe do Setor de Licitação da Prefeitura, pelas 3 médicas, pelos 2 advogados, pelo Engenheiro Secretário de Obras do Município e, finalmente pelo Juiz, Dr. Fulano de Tal, aquele da Comarca de São Paulo que me contratou, e seguiu rumo à porta de entrada do clube. Ninguém estava entendendo mais nada.
O Juiz fez uma cara feia. E sem querer ele desabafou: Ah. Meu Deus, prá onde diabo mãe está indo...
Elucidado o mistério. A dois metros da porta do clube, ao lado de uma banquinha de vender caipirosca, estava um rapaz acompanhado de meia dúzia de pinguços, contando uma história, segurando um copo na mão, visivelmente embriagado. Demonstrava que nem sabia o motivo daquela festa.
A velhinha se aproximou dele, esticou os braços para entregar o pratinho com a 1ª fatia do seu bolo de aniversário, deu um abraço, deu um beijo nele, e com aquela voz cansada ela balbuciou: Fulaninho, meu filho, foi para você que mamãe cortou a 1ª fatia do bolo... Coma...
Uma salva de palma ecoou nesse clube. Todos os convidados aplaudiram a atitude de D. Luzia.
Você acha que é possível medir o amor que uma mãe tem por um filho. Os familiares tentaram esconder dos convidados aquela ovelha negra. O tiro saiu pela culatra.
Finalmente eu matei a minha curiosidade. Era ele o 11º filho que não estava no meio dos doutores e autoridades. Pouca leitura, donzelo, nunca saiu da companhia de D. Luzia. Era justamente o caçulinha, queridinho da mamãe.
Na hora em que ela falou oferecendo a fatia do bolo a ele, eu tinha colocado o microfone próximo a boca dela. Todo mundo ouviu.
Em seguida, passei o microfone para todos os convidados ouvirem as palavras de agradecimento dele, por esse gesto tão bonito, que deixou enciumado todos os seus irmãos.
Eu vou somente transcrever o que ficou gravado pelas duas câmeras que estavam filmando. Quase ninguém entendeu porque a voz dele estava um pouco “trôpa”. Ele disse: “Oh mãe, tu é mesmo bunequeira... Tu sabe que eu não gosto de bolo...”
É assim mesmo João Dino. O mundo tem seus misterios. O amor e seus sentimentos maternos falam bem mais alto. Só uma mãe para entendê-los. Uma boa historia.
ResponderExcluirAbraços.
É...
ResponderExcluirJoão Dino:
Para mim, esta é a mais bela história que você já descreveu neste Blog.
E felicito-o por que sua narrativa revela que o amor de uma verdadeira mãe, não tem limites nem cerimônias. É puro amor, é pura adrenalina.
Abraços do
Vicente Almeida
João, a sua história muito me emocionou. Pelo primeiro pedaço de bolo e pela recepção do filho.
ResponderExcluirQuanto ao cavalo ou à eguinha pocotó, ouvi dizer que o Lacraia morreu, não sei se é verdade. A eguinha já morreu faz tempo, porque aquilo era uma vergonha, como muitas que a D. Mídia tenta nos enfiar goela abaixo!