Canto XIII
Hárpias - Selva dos suicidas
Hárpias - Selva dos suicidas
Antes que Nesso tivesse terminado de atravessar o vau do rio de sangue, já estávamos nós em um bosque, não verde, mas de folhagens foscas, sem frutos, sem ramos e com os troncos cobertos de espinhos. Era ali que faziam seus ninhos as vis Hárpias - seres de grandes asas e rostos humanos, garras nos pés e ventres emplumados que lançam das alturas lamentos misteriosos.
- Antes que entres - disse me o mestre -, saibas que estamos no giro segundo deste sétimo círculo. Fica atento pois aqui verás coisas incríveis que falsas soariam se eu te contasse.
- Antes que entres - disse me o mestre -, saibas que estamos no giro segundo deste sétimo círculo. Fica atento pois aqui verás coisas incríveis que falsas soariam se eu te contasse.
Dante arranca um galho de árvore que chora de dor na floresta das Hárpias
onde são punidos os suicidas. Ilustração de Gustave Doré (séc XIX)
onde são punidos os suicidas. Ilustração de Gustave Doré (séc XIX)
Caminhávamos pelo bosque deserto e eu ouvia vozes de lamento, sem avistar ninguém que pudesse ser a fonte de tais lamúrias. Creio que Virgílio tenha pensado que eu estava achando que as vozes emanavam de pessoas escondidas atrás das árvores, por isso falou:
- Se arrancares um galhinho de uma dessas plantas, mudarás o que agora imaginas.
Eu, seguindo seu conselho, levei a mão à primeira que encontrei, e dela arranquei um pequeno ramo.
- Ai! Por que me quebrantas? - gritou o tronco, chorando. E depois de se cobrir todo de sangue, disse ainda, triste - Por que me atormentas? Não tens espírito de piedade? Homens um dia fomos e hoje só restam paus. Devias ter mais cortesia mesmo que fôssemos almas de serpentes.
Saía da ferida, uma mistura de sangue e palavras, cuspindo e assobiando. Assustado, soltei o galho que eu segurava e permaneci parado, como quem teme.
- Ó alma ferida - falou Virgílio, dirigindo-se à planta - fui eu que o incitei a fazer o que agora me entristece. Se ele soubesse que sofrerias, ele jamais teria erguido a mão contra ti. Mas dize a ele quem foste, pois ele voltará ao mundo onde poderá resgatar a tua fama.
- Tão amiga soa tua fala que devo responder. Fui ministro de Frederico II e vítima de grande injustiça, calúnias e inverdades. Por causa delas, tirei minha própria vida. Sempre fui atento ao meu senhor e nunca o traí. Se algum de vós regressar ao mundo, por favor restaure a minha memória que foi maculada pela inveja.
Virgílio esperou um pouco, depois me falou:
- Já calou-se o suficiente. Não percas tua vez. Pergunta, se há mais alguma coisa que desejas saber.
- Por que tu não perguntas o que achares que a mim poderá satisfazer? - perguntei - Eu não posso. Não conseguiria falar.
Ele então, voltou para o espírito:
- Ó espírito em desgraça, dize-nos como uma alma se funde com estas plantas e se algum de vós, um dia, escapará desses galhos.
Ao ouvir, a árvore respirou fundo e depois seu sopro se transformou em uma voz que respondeu:
- Quando alguma alma se separa do seu corpo por sua própria vontade, Minós a manda para a sétima foz. De lá, cai nesta selva escura, brota como uma semente e cresce, até tornar-se um espinhoso arbusto.
As Hárpias nutrem-se de nossos galhos e assim nos trazem eterna e intensa dor. Como os outros, um dia retornaremos para reaver nossos corpos, mas nunca mais poderemos vesti-los, pois, injusto seria que tivéssemos algo que rejeitamos. Nós os arrastaremos até aqui onde, nesta triste floresta, nossos corpos serão para sempre pendurados nos galhos de suas almas vis.
Enquanto ouvíamos a árvore falar, um novo ruído desviou a nossa atenção. Eram dois vultos nus, que corriam, sangrando. Arrancavam, na fuga, todos os galhos dos arbustos por onde passavam.
- Me acode, me acode, Morte! - gritava o primeiro.
- Lano, com tuas pernas poderias ter tido mais sorte na batalha de Toppo! - dizia o outro que, não podendo mais correr, caiu sobre um arbusto e se ficou coberto de espinhos.
Atrás dos dois a selva estava repleta de cadelas pretas, ágeis e famintas. Elas chegaram e afundaram suas presas no pobre coitado que se escondia e o dilaceraram, arrancando seus pedaços e fugindo com partes de seus membros arrancados.
Depois que as cadelas se foram, Virgílio me levou até um arbusto que chorava, em vão, através das suas muitas fraturas que sangravam.
- Ó Giácomo de Santo Andrea - chorava -, que culpa tenho de tua vida perversa?
- Quem foste tu que agora, através das feridas, sopras com sangue este sermão amargo? - perguntou o mestre.
- Ó almas que chegaram a tempo de ver esta injusta mutilação que separou-me dos meus galhos, por favor, junte-os em volta do meu tronco. Eu fui da cidade cujo patrono era o Batista e lá fiz de minha casa, a minha forca.
- Se arrancares um galhinho de uma dessas plantas, mudarás o que agora imaginas.
Eu, seguindo seu conselho, levei a mão à primeira que encontrei, e dela arranquei um pequeno ramo.
- Ai! Por que me quebrantas? - gritou o tronco, chorando. E depois de se cobrir todo de sangue, disse ainda, triste - Por que me atormentas? Não tens espírito de piedade? Homens um dia fomos e hoje só restam paus. Devias ter mais cortesia mesmo que fôssemos almas de serpentes.
Saía da ferida, uma mistura de sangue e palavras, cuspindo e assobiando. Assustado, soltei o galho que eu segurava e permaneci parado, como quem teme.
- Ó alma ferida - falou Virgílio, dirigindo-se à planta - fui eu que o incitei a fazer o que agora me entristece. Se ele soubesse que sofrerias, ele jamais teria erguido a mão contra ti. Mas dize a ele quem foste, pois ele voltará ao mundo onde poderá resgatar a tua fama.
- Tão amiga soa tua fala que devo responder. Fui ministro de Frederico II e vítima de grande injustiça, calúnias e inverdades. Por causa delas, tirei minha própria vida. Sempre fui atento ao meu senhor e nunca o traí. Se algum de vós regressar ao mundo, por favor restaure a minha memória que foi maculada pela inveja.
Virgílio esperou um pouco, depois me falou:
- Já calou-se o suficiente. Não percas tua vez. Pergunta, se há mais alguma coisa que desejas saber.
- Por que tu não perguntas o que achares que a mim poderá satisfazer? - perguntei - Eu não posso. Não conseguiria falar.
Ele então, voltou para o espírito:
- Ó espírito em desgraça, dize-nos como uma alma se funde com estas plantas e se algum de vós, um dia, escapará desses galhos.
Ao ouvir, a árvore respirou fundo e depois seu sopro se transformou em uma voz que respondeu:
- Quando alguma alma se separa do seu corpo por sua própria vontade, Minós a manda para a sétima foz. De lá, cai nesta selva escura, brota como uma semente e cresce, até tornar-se um espinhoso arbusto.
As Hárpias nutrem-se de nossos galhos e assim nos trazem eterna e intensa dor. Como os outros, um dia retornaremos para reaver nossos corpos, mas nunca mais poderemos vesti-los, pois, injusto seria que tivéssemos algo que rejeitamos. Nós os arrastaremos até aqui onde, nesta triste floresta, nossos corpos serão para sempre pendurados nos galhos de suas almas vis.
Enquanto ouvíamos a árvore falar, um novo ruído desviou a nossa atenção. Eram dois vultos nus, que corriam, sangrando. Arrancavam, na fuga, todos os galhos dos arbustos por onde passavam.
- Me acode, me acode, Morte! - gritava o primeiro.
- Lano, com tuas pernas poderias ter tido mais sorte na batalha de Toppo! - dizia o outro que, não podendo mais correr, caiu sobre um arbusto e se ficou coberto de espinhos.
Atrás dos dois a selva estava repleta de cadelas pretas, ágeis e famintas. Elas chegaram e afundaram suas presas no pobre coitado que se escondia e o dilaceraram, arrancando seus pedaços e fugindo com partes de seus membros arrancados.
Depois que as cadelas se foram, Virgílio me levou até um arbusto que chorava, em vão, através das suas muitas fraturas que sangravam.
- Ó Giácomo de Santo Andrea - chorava -, que culpa tenho de tua vida perversa?
- Quem foste tu que agora, através das feridas, sopras com sangue este sermão amargo? - perguntou o mestre.
- Ó almas que chegaram a tempo de ver esta injusta mutilação que separou-me dos meus galhos, por favor, junte-os em volta do meu tronco. Eu fui da cidade cujo patrono era o Batista e lá fiz de minha casa, a minha forca.
No Canto XIV veremos o deserto incandescente e a chuva eterna de brasas
05/07/2011
É...
ResponderExcluirPrecisamos esclarecer o leitor, que as postagens de "A Divina Comédia" referem-se a um poema escrito há setecentos anos, pela mente fértil do italiano Dante Alighieri, segundo a religiosidade do povo que, naquele tempo, acreditava na danação eterna.
Dante criou este cenário, alegórico ou profético, segundo suas convicções, imaginação e criatividade.
Na realidade, o contrapasso para cada tipo de delito praticado em vida, é inegável, "A cada um será dado segundo suas obras" Isto Cristo deixou bem claro.
Entretanto, não devemos literalmente entender como verdadeiras, as formas de punições apresentadas neste poema, através da passagem pelos círculos infernais, mas o poema nos chama duramente a atenção para nossos erros.
Embora o sofrimento da alma do pecador, possa ser bem pior do que aqui narrado, não será por toda a eternidade.
Uma pessoa em sã consciência, NÃO deve imaginar que Deus, infinito em amor e bondade, iria punir um filho seu por toda a eternidade, por haver praticado atos pérfidos contra Deus, contra sí ou seus semelhantes.
Infalivelmente haverá muito sofrimento (choro e ranger de dentes) para os transgressores, mas chegará o tempo em que sua alma terá se ressarcido dos males praticados e igual a qualquer outra, gozará das benesses estabelecidas pelo Criador.
Considerando a conduta do ser humano em transito neste planeta, poderá parecer irônico, mas nosso destino é a perfeição, e temos a eternidade para aprender e construí-la.
Acreditar nas penas eternas seria limitar e nivelar Deus a nós humanos.
Há ainda que se esclarecer que Deus não premia nem castiga ninguém. No princípio, Ele estabeleceu leis eternas e imutáveis, e é por causa da nossa infração a essas leis que sofremos tanto, isto é o contrapasso.
Vicente Almeida
Vicente, para mentes esclarecidas, Deus é perfeito e nós, os humanos estamos aqui para ajudar na perfeição-transformação do mundo.
ResponderExcluirSei que Dante coloca quem ele quer no lugar que quer, claro que foi tudo imaginário, mas que dá vontade de a gente mandar um bocado para lá, isso dá!
Um abraço.
É...
ResponderExcluirArtemisia:
Na realidade, nem é preciso se preocupar em mandar essa gente pros quintos dos infernos. Com o mal que praticam em vida, vão traçando o próprio caminho que o levará inexoravelmnete a um infeliz destino.
Vicente Almeida