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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


domingo, 15 de maio de 2022

237 - O Crato de Antigamente - Postagem do Antônio Morais.


O gado descia mansamente no rumo do sertão.
O trovão reboava no nascente como marco incontestável do limite entre a seca que findava e a quadra chuvosa que já se prenunciava.
O gado tinha secado do capim mimoso dos sertões, enfastiado com o capim agreste da chapada do Araripe onde passara toda a seca.
Eram 200, 300 reses tangidas por quatro vaqueiros, meu pai na guia e eu no coice do gado.
A musica dos bois era a nota marcante daquela alegre tarefa. Tudo era alegria!
De repente, no lambedouro do Auto do Mulungá, um touro mestiço do pescoço grosso, cioso da sua liderança naquele rebanho, parou, deu um urro muito forte e retorcia as moitas com os chifres, dando saltos inopinados.Todo o resto do rebanho aproximava-se do touro e o repetia em lânguidos berros cheirando o chão! Todos paramos instintivamente, como autômatos.
O vaqueiro Zé Félix, muito místico, tirou o seu chapéu de couro e o colocou no peito em reverência àquela inusitada cena como igual jamais vi na vida!
Em seguida, o touro mestiço retomou a guia do rebanho e continuou a caminhada. Fomos verificar a causa daquela tocante cena. Era a ossada ainda verde e recente de uma rês que morreu naquela lambedouro onde as reses sempre iam ao cair da tarde em procura do sal da terra para satisfazerem a sua carência de sal. Dali pra frente os aboios diminuíram de intensidade, Esquece-la, jamais e eu tinha 12 anos de idade e era aprendiz de vaqueiro. O tempo inexorável, vai se acumulando sobre mim, mas aquela bucólica cena fica cada vez mais viva na minha saudosa sensibilidade, nunca vi humanos chorarem tão intensamente os seus mortos. A natureza tem os seus mistérios!

O choro do gado - Napoleão Tavares Neves é médico, radicado em Barbalha; escritor e cidadão atuante; Autor de vários livros. Pertence a diversos institutos culturais do Ceará.

6 comentários:

  1. Amigo Armando.

    DR. Napoleão descreve uma historia que pra quem conhece os pormenores do rebanho, os segredos e experiencias dos vaqueiros, chega a emocionar. Belo texto. Parabens ao Dr. Napoleão e obrigado a voce por proporcionar aos leitores este resgate.

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  2. Morais esta foto é ESPETACULAR, e a história muito boa.Infelizmente o transporte de gado no pé, tá chegando ao fim e junto com eles a profissão de vaqueiro. Na Várzea Alegre meu pai é um dos poucos criadores que ainda utiliza este método. Todo ano o gado anda +/- 360km(ida e volta), em busca de pastos nas terras do Assaré.

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  3. Armando, texto muito bom. Gostei!
    Parabéns.

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  4. Esqueci!.
    Parabéns pela escolha do texto do Dr. Napoleão Tavares Neves. Como diz Morais: "um primor".

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  5. Bonita passagem na vida do Dr. Napoleão. O saudosismo faz a sua marca mostrando que o amor é universal e bilógico.

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  6. Isto e verdade,pois quando voce aparta o bezerro da vaca(mae) ela fica sempre urrando e seus olhos enxe de lagrimas.

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