A noite que transformaram dona Bárbara de Alencar numa "anã" -- por Armando Lopes Rafael
Na noite de 21 de junho de 2016, Data do Município de Crato, o prefeito Ronaldo Gomes de Matos “O Fenômeno”, inaugura um “monumento” no calçadão da Praça da Sé. Criticada por ser uma cidade “pobre de monumentos”, a Cidade de Frei Carlos recebia um “busto” de Bárbara de Alencar, uma figura emblemática no episódio que se convencionou chamar de “desdobramento da Revolução Pernambucana de 1817 na cidade de Crato”.
Na noite de 21 de junho de 2016, Data do Município de Crato, o prefeito Ronaldo Gomes de Matos “O Fenômeno”, inaugura um “monumento” no calçadão da Praça da Sé. Criticada por ser uma cidade “pobre de monumentos”, a Cidade de Frei Carlos recebia um “busto” de Bárbara de Alencar, uma figura emblemática no episódio que se convencionou chamar de “desdobramento da Revolução Pernambucana de 1817 na cidade de Crato”.
Tratava-se, na verdade de um simulacro de monumento. Uma anã, colocada rente ao chão, simbolizada a heroína dos cratenses. Sinceramente, dona Bárbara merecia ser homenageada com um monumento à altura da sua memória.
Sobre esse “busto” assim foi noticiado no Blog Plim-plim do Cariri, mantido pelo Sr. André Lacerda:
“Inaugurado o busto da heroína Bárbara de Alencar no município do Crato, parece brincadeira, ou alguma criança brincando de argila, me desculpe o artista, mas até agora eu fico imaginando de quem foi a brilhante ideia, se a guerreira estivesse viva, era capaz dela ter um enfarte fulminante, já não bastasse a cara torta e mal feita da santa”. (SIC)
Passados quase dois anos da introdução daquela “aberração” ainda não se viu um protesto à altura contra aquela coisa horrorosa, capaz de motivar a retirada da “anãzinha” que fere os foros da memória histórica de Crato. Triste!
Sobre a Revolução Pernambucana de 1817 em Crato: mito e realidade
A participação de Crato na Revolução Pernambucana de 1817 tem sido o episódio histórico desta cidade mais exaltado, nos últimos pós–proclamação da República. Costuma-se dizer que a história é sempre escrita pelos vencedores. Os revolucionários republicanos de 1817 – derrotados pela contrarrevolução do monarquista cratense Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro – passaram a ser exaltados como heróis, após o golpe militar que impôs a forma de governo republicana no Brasil, em 15 de novembro de 1889. Os feitos desses republicanos de 1817, no Cariri cearense, são divulgados em proporções maiores que os reais, tanto nos meios de comunicação, como por parte de alguns historiadores. Do Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro pouco se fala. Quando se escreve sobre o efêmero movimento que foi a Revolução Pernambucana de 1817, em terras do Cariri cearense, omite-se a decisiva participação do Brigadeiro Leandro, ao debelar aquela revolta. Omite-se, também, a coragem pessoal e cívica de Leandro Bezerra Monteiro naquele episódio.Aliás, o historiador cratense J. de Figueiredo Filho, apesar de simpático às ideias republicanas foi veraz ao escrever: “Muito se tem discutido em torno da Revolução de 1817, na Vila Real do Crato. Foi movimento efêmero, que durou apenas oito dias. Ocorreu a 3 de maio de 1817, em consonância com a revolução que eclodiu em Pernambuco. Foi abafada, quase ingloriamente, a 11 do mesmo mês. É verdade que a vila bisonha de então não estava suficientemente preparada para a rebelião que, para rebentar, em Recife, necessitara da assimilação de muitas páginas de literatura revolucionária, da luta entre brasileiros e portugueses, em gestação desde a guerra holandesa e do preparo meticuloso, em dezenas de sociedades secretas, além de fatores econômicos múltiplos”. (01)
Passados 200 anos daquele episódio e analisando de forma objetiva vários escritos e opiniões dos pesquisadores regionais chegamos à conclusão de que o que ocorreu no Cariri, em 1817, não foi uma simples disputa entre clãs familiares, como alguns historiadores escreveram no passado. Tratou-se, na verdade, de um confronto de ideias. De um lado, o proselitismo e ações concretas em favor dos ideais revolucionários e republicanos, feitos por membros da ilustre família Alencar, um dos clãs mais importantes do Sul do Ceará. O povo não apoiou os Alencares, que lutaram para impor uma ideologia estranha à mentalidade da sociedade caririense de então. Do outro lado, opondo-se a essas ideias republicanas, esteve Leandro Bezerra Monteiro, um homem dotado de profundas e arraigadas convicções católicas e monarquistas.
Relembre-se, por oportuno, que a fidelidade à Monarquia, por parte de Leandro Bezerra Monteiro e seu clã, motivou a concessão – partida do Imperador Dom Pedro I – da honraria ao ilustre cratense do primeiro generalato honorário do Exército brasileiro. Àquela época, embora em desuso, o posto de brigadeiro correspondia – na escala hierárquica do Exército Imperial – à patente de general.
No mais, outro historiador cratense, José Denizard Macedo de Alcântara fez interessante análise sobre a mentalidade vigente na população do Cariri, à época da Revolução Pernambucana de 1817. A conferir:
“Um bom entendimento dos fatos exige que se considere a realidade histórica, sem paixões nem preconceitos. Ora, dentre os dados da evolução histórica brasileira há que se ter em conta o seguinte:
a) a sociedade brasileira plasmou-se, em mais de três séculos, à sombra da monarquia absoluta, com todo o seu cortejo de princípios, hábitos, usos e costumes, não sendo fácil remover das populações esta herança cultural, tão profundamente enraizada no tempo;
b) daí o apego aos Soberanos, a aversão às manobras revolucionárias que violentavam suas tradições éticas e políticas, os reiterados apelos de manutenção da monarquia absoluta, que aparecem, partidos de Câmaras Municipais – os órgãos públicos mais aproximados das populações – mesmo depois que Pedro I pôs em funcionamento o sistema constitucional de 1826;
c) o centro de gravidade desta sociedade eminentemente rural era sua aristocracia territorial, única força social de peso na estrutura nacional, repartida em clãs familiares, e profundamente adita ao Rei, de quem recebia posições públicas e milicianas, além de outras benesses, sentimento este que mais se avolumara com a transmigração da Família Real, em 1808, pelo contato mais imediato com a Coroa, bem como pelos benefícios prestados ao Brasil, no Governo do Príncipe Regente;
d) sendo insignificante a sociedade urbana, era mínima a capacidade de proselitismo da vaga liberal que varria o mundo ocidental, na época, restringindo-se a uma minoria escassa, embora ativa e diligente. (02)
Donde se conclui que não houve simpatia, nem apoio da sociedade caririense às ideias republicanas da Revolução Pernambucana de 1817, difundidas no Sul do Ceará pelo seminarista José Martiniano de Alencar.
Referências bibliográficas:
(01) FIGUEIREDO FILHO, J. História do Cariri. Vol. I. Edição da Faculdade de Filosofia do Crato, 1964. p.61
(02) ALCÂNTARA, José Denizard Macedo de. Notas preliminares in Vida do Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro. Secretaria da Cultura, Desporto e Promoção Social do Ceará, Fortaleza, 1978. p.26
(*) Armando Lopes Rafael é historiador. Sócio do Instituto Cultural do Cariri e Membro–Correspondente da Academia de Letras e Artes Mater Salvatoris, de Salvador (BA).
Prezado Armando : Quem por ventura assistiu os eventos políticos, convenções e comícios no Crato de outrora via uma louvação a Barbara de Alencar. As vezes exagerada. De um lado ou de outro havia reconhecimento. Ronaldo não desbancou a heroína Barbara de Alencar, desbancou a si mesmo. O monstrengo se assemelha muito a sua administração. Pequena e sem mérito algum.
ResponderExcluirO pseudo monumento continua lá até hoje...
ResponderExcluirJá não se fazem cratenses como antigamente!
Vivêssemos nos tempos em que aflorava professores da envergadura um Padre Gomes, de um Irineu Pinheiro, de um J.de Figueiredo Filho, ou de prefeitos cultos como Alexandre Arraes e Pedro Felício, já tinha erradicado esse “aleijão”!
A “anãzinha” – a simbolizar Dona Bárbara – colocada rente ao chão, em frente à Coletoria Estadual, já sofreu uma amputação da sua versão original. Uma pessoa sensata (e conhecedora de um mínimo da História Regional), amputou a placa que a “anãzinha” segurava. Placa essa com o símbolo da Confederação do Equador, movimento revolucionário do qual Dona Bárbara nunca participou.
Qualquer pessoa, medianamente esclarecida, sabe que Dona Bárbara de Alencar só atuou no episódio da Revolução Pernambucana de 1817. Em 1824 – quando eclodiu a Confederação do Equador – Dona Bárbara já vivia reclusa na sua fazenda no então município de Fronteiras, no Piauí, onde viria a falecer em 18 de agosto de 1832. Ela apenas sofreu as consequências feitas à repressão à Confederação do Equador, a exemplo do assassinato filho dela, Tristão de Alencar Araripe, cabeça desse movimento no Ceará.
Para uma cidade do porte de Crato – décadas atrás conhecida como a Capital da Cultura do Cariri” –, esse “monumento” é um acinte aos níveis de civilização desta cidade. Verdade que a sociedade cratense, a exemplo do restante do Brasil, regrediu no campo do civismo e das ações culturais. Até a década 70 do século XX, tínhamos uma plêiade de bons intelectuais que pr0omoveram diversas ações – nas décadas de 40 a 70 do mesmo século – restaurando a memória do nosso passado regional.
Esses cultos caririenses, todos já falecidos, escreveram livros e artigos; promoveram solenidades; reconstruíram calendários cívicos; recuperaram o panteão dos heróis caririenses; fundaram entidades culturais e o Museu Histórico de Crato. Este último sofrendo os revezes do desprezo dos últimos prefeitos cratenses, com o pequeno acervo em perigo de desaparecer.
Mas chegar ao ponto de colocaram um monumento com uma “anãzinha” para homenagear Barbara de Alencar é demais! supera o bom senso e a falta de respeito para com um dos ícones desta Mui Nobre e Heráldica Cidade de Crato...