Único trabalho compulsório previsto na Constituição é o serviço militar. "Visivelmente, a medida não é para complementar a formação do médico", diz o jurista Miguel Reale Júnior
Medicina: Advogados e juristas acreditam que medida que obriga estudantes a trabalhar no SUS é inconstitucional e fere direitos trabalhistas (Thinkstock)
A medida provisória anunciada nesta segunda-feira pelo governo, que amplia a grade curricular dos cursos de medicina, obrigando os alunos a trabalhar para o Sistema Único de Saúde (SUS) é inconstitucional. Segundo especialistas ouvidos pelo site de VEJA, o único serviço público obrigatório previsto na Constituição é o militar. Fora ele, nenhuma função deve ser exercida compulsoriamente — inclusive a atividade médica, independentemente se praticada por um profissional ou por um estudante. Há ainda outro porém: o aluno que trabalhar no Sistema Único de Saúde (SUS) terá de cumprir deveres de um profissional, mas receberá apenas uma bolsa por isso. Assim, ele não terá garantido nenhum outro direito trabalhista, como férias, décimo terceiro salário ou licença maternidade.
Os problemas na nova grade curricular de medicina:
• O único trabalho compulsório previsto na Constituição é o serviço militar
• O estudante estará exercendo um trabalho profissional, sem receber todos os benefícios trabalhistas previstos em lei
• A capacidade de supervisão pela instituição de ensino dos alunos alocados em outras regiões é questionável
• O uso de uma medida provisória deve ser específico para casos urgentes — a alteração nos cursos valerá apenas a partir de 2015, portanto, não tem caráter de urgência
“Ninguém é obrigado a exercer uma função por força de lei, a única exceção é o serviço militar obrigatório, previsto na nossa Constituição”, diz Miguel Reale Júnior, jurista e ex-ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso. “A medida fere a Constituição na medida em que estabelece um constrangimento ilegal, de serviço obrigatório.”
Segundo o advogado Eduardo Kroeff Machado Carrion, professor titular de direito constitucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP), é possível interpretar que a medida viole o inciso XIII do artigo 5º da Constituição, que diz ser "livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. “No entanto, a proposta do governo impõe uma condição para a obtenção do diploma, e não exatamente para o exercício profissional, já que estamos falando de estudantes. Existe uma controvérsia na hora de definir até que ponto a proposta pode ser entendida como uma restrição ao exercício profissional”, diz.
Para Reale Júnior, no entanto, a medida fere, sim, a Constituição brasileira, mesmo se tratando de algo específico da grade curricular do curso de medicina — e não de um serviço profissional. "A medida seria inconstitucional mesmo se os médicos fossem obrigados a trabalhar no SUS depois de formados." A questão não difere para alunos que cursam faculdades públicas ou privadas: nos dois casos, a obrigatoriedade do serviço é inconstitucional.
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