Numa palestra que ministrou em São Paulo, Fernando Henrique Cardoso despejou sobre a audiência suas dúvidas em relação ao futuro governo de Jair Bolsonaro. E foi incapaz de expressar uma certeza qualquer sobre o seu partido, o PSDB.
"Minha expectativa é que o governo, que não existe ainda, vai terminar um ciclo, vai matar um ciclo" inaugurado com a Constituição de 1988, declarou FHC. "Esse ciclo já estava morrendo."
Impossível discordar de FHC. Pode-se, no máximo acrescentar um detalhe: a morte do ciclo pós-redemocratização começou antes, muito antes da ascensão de Bolsonaro. E o PSDB revelou-se um vivo pouco militante.
Mais recentemente, a inatividade do tucanato roçou as fronteiras do paroxismo. Foi tão vigorosa que o eleitor sentiu-se à vontade para enviar coroas e atirar na candidatura presidencial de Geraldo Alckmin a pá de cal de um quinto lugar.
FHC disse não saber se Bolsonaro "vai ser capaz de criar outro" ciclo. Soou como um São Tomé invertido, do tipo que quer ver para não crer. "Eu tenho uma interrogação. Não estou dizendo que não vai ser capaz. Estou dizendo que eu não sei se vai ser capaz de criar outro, imaginar formas políticas."
O grão-mestre do tucanato faria melhor se cuidasse das interrogações que rondam a sua legenda. Antes de olhar para o lado, poderia responder: o que o PSDB tem a oferecer? O que foi mesmo que Alckmin propôs? Enquanto não espantar esse tipo de questão, a dúvida sobre Bolsonaro será sempre um desabafo, não uma solução.
O "germe da inquietação" está ativo em várias partes do mundo, disse FHC. Como exemplo, citou a revolta dos coletes amarelos na França. "É um momento novo no mundo, não é só aqui, não."
De fato, a inquietação está em toda parte, exceto no PSDB. No ninho tucano, abundam inação e pasmaceira. A legenda teve a oportunidade de reagir quando a biografia do filiado Eduardo Azeredo enferrujou. Nada.
A ferrugem avançou sobre as reputações de José Serra e de Aécio Neves. Nem sinal de reação. Até a biografia de Alckmin foi oxidada por um enredo de caíxa dois. E nada.
Num cenário assim, é natural que FHC se preocupe mais com a interrogação que flutua sobre o futuro do novo governo. Deve lhe doer a ideia de que faz o papel de um ex-monarca longínquo, numa peça confusa, em que o protagonista é o João Doria e cujo epílogo é a adesão do ex-PSDB ao governo Bolsonaro.
FHC devia saber que existem dois lugares próprios para ele. Quietinho, escondido para ninguém saber que ele existe ou na cadeia junto com o Lula.
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