CENTENÁRIO DE PADRE VIEIRA - Por Dr. Sávio Pinheiro.
Radiante, deslumbrado, triunfante! Era assim que eu me sentia, em meados de 1983, como médico recém-formado e recém-chegado. Certa manhã, fui abordado por Seu Chiquinho de Louso, meu pai, que me fez um apelo determinado: – Preciso de você! Soube que o padre Vieira está em estado grave, na Casa de Saúde São Raimundo, em Fortaleza, e pede que não o deixem só, um só momento. Teme pela sua recuperação e implora um médico de sua família, sempre ao seu lado. E eu não posso faltar, nesse momento difícil, a um filho de meu padrinho Vicente Vieira.
Não era um pedido era uma ordem. E para mim, mais que um dever. Era orgulho para qualquer um ficar ao lado do grande escritor, poeta, político e irreverente padre Vieira. E principalmente naquela situação, em que a minha capacidade intelectual e médica poderia influir positivamente na sua recuperação.
Era um quadro assustador. A infecção generalizava-se. Os rins já não funcionavam. A hemodiálise era rotina. O clima era de pessimismo, porém a fé habitava sempre aquele espaço. Eu sentia nas pessoas que o procuravam para fazer-lhe uma visita, apesar de suspensa, que era uma despedida. Assinavam o livro e partiam comovidas.
A tarde declinava. O crepúsculo vespertino, sempre triste, aparecia. Chegara o grande momento. Fui convocado para ficar, naquela noite, com o padre Vieira. Era um apoio familiar. Um apoio de amizade, de respeito. A noite avançava, e com ela, o sofrimento e a esperança. A vigília era obrigatória. O estado doentio e a irritabilidade apenas confirmavam o seu sofrimento e ansiedade. Os segundos podiam ser contemplados.
Durante a madrugada, o paciente e o médico, já não disfarçavam mais o cansaço que lhes eram possuídos. Este, com cansaço físico, recente. Aquele, com enorme cansaço físico e psicológico, duradouros. O paciente silencioso e com o olhar fixo para o teto, pensava não sei o quê. O médico, tentando acomodar sua coluna numa cadeira de balanço, encostava suavemente os pés na borda do leito do enfermo, tentando decifrar o que poderia estar pensando aquele doente inerte. De repente, de forma brusca e inesperada padre Vieira repreende o seu parceiro de sofrimento.
Não movimente esta cama! Fique firme em seu lugar!
Sem conseguir entender o que pensava aquela mente obnubilada não soube conter o meu sentimento: se tivesse raiva ou pena por aquela atitude inesperada. Passados alguns minutos, que mais pareceram horas, finalmente volta à cena.
Chame a enfermeira, depressa! Remova o lençol, pois acho que mijei.
Quando a enfermeira de plantão entrou no quarto já encontrou o enfermo elevado no leito fazendo o maior carnaval. Nascia ali o início de sua recuperação e de uma nova esperança.
O Vieira mijara.
Algum tempo depois, já superada a euforia do momento, a profissional reaproxima-se do leito, com toda técnica e acurácia, para remover os panos molhados do doente, quando, mais uma vez, fomos surpreendidos pela irreverência.
Não tire os panos molhados de mim, pois pretendo dormir mijado!
Mas não pode ser! Tenho que trocar os lençóis e a sua roupa. É para sua saúde.
Vocês não entendem... passei toda a infância, lá na Lagoa, mijando na rede, e nunca me aconteceu nada!
Às cinco horas da manhã, pediu-me para lhe barbear, elevá-lo no leito e comprar os jornais.
Quando minha família e meus amigos chegarem quero que tenham a certeza, que estou curado!
Parabéns Dr. Sávio Pinheiro - Padre Vieira uma das maiores figuras humanas de Várzea-Alegre, se não a maior.
ResponderExcluirPadre Vieira, uma unanimidade na literatura brasileira e mundial.
ResponderExcluirGosto muito do estilo de escrita do Padre Vieira.
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