No Crato. Houve uma época em que me submeti ser "aprendiz de fadinha" . Uma fajuta aspirante à fadinha que nem sequer ousou fazer o juramento exigido para usar aquele lindo uniforme azul. Vestir aquele uniforme azul e a possibilidade de ser Bandeirante, deveria ser uma maravilha. Porém..., sob uma árvore de porte médio, numa reconfortante sombra, - puxo pela memória -, me vem três ou quatros encontros nas manhãs de domingos no casarão da Praça da Sé, onde funcionou o Grupo Escolar Teodorico Teles. Ficávamos distribuídas em uma suposta "fila indiana", monitoradas por uma Bandeirante, aprendendo a cantar dando um passo para a direita e outro para a esquerda. Cantando mais ou menos assim: "Um passs si nho cá (pausa). Um passs si nho lá (pausa). Gosto de dançar e passearrr tra-la-la-lá, tra-la-la-lá..." E nos tra-la-la-lás erguíamos os braços fazendo um movimento com as mãos. No encontro de minha última participação, resolvi me questionar: "O que estou fazendo aqui?" "Que coisa monótona é esta?" Algum tempo depois escutei uma voz que dizia: "- Glória, vai fazer natação e aprender a jogar vôlei!" Ora, uma menina que participava de muitas brincadeiras de criança cada uma mais divertida que a outra: pular corda, jogar o jogo do mata, brincar de amarelinha, bambolear, jogar bola de gude, jogar castanhas, na falta das castanhas o jogo continuava e a animação prosseguia com tampinhas de garrafas, só para citar algumas. Enfim, não faltavam brincadeiras muitas delas em companhia dos meus irmãos e dos três amigos e vizinhos que naquela altura eram como nossos irmãos, estavam incorporados à nossa família e nós à família deles. Acredito que por tudo isso minha infância foi prolongada o quanto foi possível.
Desde muito cedo e frequentemente, nas férias escolares íamos ao Engenho do Francisco Gomes. Nossas férias coincidiam com as moagens de minha avó, as de minha mãe e de alguns proprietários vizinhos. Minha irmã mais velha, por natureza, era essencialmente urbana. Nos períodos das férias costumava se refugiar na casa de nossa avó paterna, à Rua Dr. Miguel Lima Verde, onde possuia seu pequeno reino devido a predileção à ela dedicada por ser a primogênita dos netos cratenses. Dos netos cratenses éramos somente os filhos de meu pai, os outros cinco netos, filhos de tia Vivi eram recifenses e só apareciam eventualmente, mas, jamais destronaram minha irmã. No entanto, tudo era muito bem distribuído e equilibrado uma vez que, desde meus primeiros anos de vida contava com o privilégio de ser uma das netas preferidas da avó materna. Ainda na casa paterna eu era bastante querida da tia-madrinha, a quem, anos depois tive a oportunidade de homenageá-la emprestando seu nome para minha filha Maria Luiza. Sim, fui uma criança que recebeu o suficiente para ser feliz.
Certa vez, em uma de nossas férias, reuniram-se mais de 12 netos de minha avó. Nessas ocasiões as perseguições e caça aos vaga-lumes eram interrompidas, tendo em vista que os primos maiores costumavam reunirem-se no terreiro do engenho a fim de escutarem "histórias de assombração". Para isso havia o contador de histórias que todas as noites marcava presença para alegria de muitos. Daquela roda mantinha distância, preferia dormir bem ligeirinho. Já me bastava a filha de um morador me convencer que bem próximo dali vivia um caboclo encantado que costumava aparecer para aprontar muitas traquinagens com quem chegasse na floresta e só deixava a pessoa em paz se fumasse seu cachimbo. Afirmava com muita convicção apontando para a Chapada do Araripe, muito próximo dali, distante poucas braças do Engenho "Chico" Gomes.
Foi por aí que presenciei o primeiro guisado. Embora tivesse idade para participar somente como observadora da iniciativa da prima Sônia Pinheiro Rolim. Naquela época já uma mocinha. Mais adiante uma mulher inteligente, de fibra, dotada de capacidade para desempenhar seu grande papel de mulher empreendedora e mãe, pelos seus inúmeros e indiscutíveis méritos. Sônia uma prima querida! Sônia era animada, divertida, alegre, bem disposta, portanto, excelente companhia... Mais que depressa nos apropriamos de uma casa próxima que na oportunidade estava desocupada e o majestoso guisado, feito num fogão à lenha, saboreamos com muita alegria. Não tardou muito fui treinando ao ar livre com as panelas de barro que mandava comprar na feira do Crato.
Depois sucederam vários guisados com a turma do Pimenta. Os guisados no Sítio Sossêgo foram comandados por Claude, uma Bandeirante muito dedicada e ativa que ainda tem muito para nos contar. Porém, outros guisados foram providenciados e organizados por mim.
Certo dia fomos ao Lameiro, o local era logo após a subida da ladeira, no sítio da família Franca Alencar. Levamos conosco um jumento para o transporte dos utensílios e mantimentos e ao mesmo tempo, alternadamente, aliviar as "canelinhas" das crianças menores. Chegamos ao local, nos acomodamos como sempre fazíamos, debaixo de uma árvore nos arredores da casa dos pais da moça que trabalhava em nossa casa. Neste, além de conduzirmos o jumentinho por uma longa distância (pouco mais de um quilômetro), aconteceram fatos bastante engraçados, sendo um deles, após o almoço, a dificuldade na montaria e posterior queda de cima daquele pequeno animal de uma amiga que foi criada no RJ, sem que houvesse danos físicos. Quando o susto passou, foi divertido, rimos bastante por causa do vexame diante de seu pretenso conquistador que estava presente, pois o mesmo se achara no direito de se convidar por ser irmão de uma das amigas que estava presente.
Outros guisados aconteceram no sítio de propriedade do Sr. Antonio Mariano, vizinho do Matadouro, onde pudemos desfrutar de banhos no riacho.
Não muito tempo depois, naquele mesmo sítio a mocidade do Crato e alguns jovens que passavam férias na cidade se reuniram para assistir os jogos do Brasil da Copa do Mundo de 1966. Assistimos aos jogos transmitidos pelo rádio. Inesquecíveis os gritos e pulos da torcida empolgada de: Gildo Mariano, Arilo Lula e Nilo Sérgio Monteiro, meus primos de Ouro Preto e muitos outros cratenses.
Memorável aquele ano de 1966, inclusive por ter sido o ano do Io. Festival da Canção. Adeus Férias no Engenho! Adeus Infância Querida! Acorda menina! Não deixe escapar o que ainda existe dos Anos Dourados.
Gloria Pinheiro.
Maria da Gloria
ResponderExcluir"Chega uma epoca em que nos damos conta de que tudo o que fazemos se transformará em lembrança um dia. É a maturidade. Para alcança-la, é preciso justamente já ter lembranças. As coisas são descobertas por meio das lembranças que se tem delas. Relembrar uma coisa significa ve-la, apenas agora, pela primeira vez"
Cesare Pavise.
Parabens pela memoria.
Glória
ResponderExcluirImportante suas memórias,pois essa infância feliz, serviu de alicerce para sua vida adulta."Recordar é viver" e essas lembranças para qualquer pessoa,é muito gratificante.
Acho até que temos que agradecer a Deu, o amor e a felicidade dos tempos de criança.
Abraços
Magali
Morais, Nair e Magali, obrigada pelos comentários. Peço desculpas pelo texto extensivo.
ResponderExcluirAcredito que não recordo com saudosismo, recordo agradecendo a Deus por ter vivido no Crato. Não poderia ter sido em outra cidade que não fosse Crato. Trouxe para longe um pouco de tudo isso e dei para minha filha. Resultou que sua passagem pelos eletrônicos foi passageira.
Um abraço aos três.
É Glória. Você trouxe um conto
ResponderExcluirrecheado de boas lembranças, as pessoas que com você, viveram aquele momento, devem sentirem muitas saudades.
Mas, se eu não estiver equivocado
algumas pessoas choraram naquela
copa, quando viram a seleção canarinho, ficar fora logo na segunda partida.
Parabéns pelo excelente conto.
Abraço.
Mundim do Vale.
Eita ai você mecheu com uma banda do Pimenta. Se boa parte daquela turma ler este texto ai teremos muitas histórias ainda por contar.
ResponderExcluirAbraços minha prima
Jair Rolim
É, Raimundinho são boas lembranças.
ResponderExcluirQuanto a Copa do Mundo só consigo lembrar da grande euforia. Apesar de patriota, nada entendia de futebol estava ali como mera expectadora e pela folia.
Jair: Você sempre foi um primo e sobrinho querido e bem-vindo. Todas férias vinha de Fortaleza nos honrar com sua presença. Teve muita participação nas nossas brincadeiras.
Um abraço primo querido.
Eita Glória,
ResponderExcluirVocê sabe que muitas dessas lembranças foram partilhadas com a gente lá no Pimenta. A turma era grande, boa, amiga... Cheguei a ir no Chico Gomes numa época de moagem... Fomos passar um dia por lá, você lembra? Tua avó gente finíssima cuidando da meninada...
Também adorava ir na casa de tua avó paterna na Lima Verde... sempre tinha doces diferentes cada um mais gostoso que o outro... Eu chegava lá, tímida, tímida... de olho derretido para os doces, pois lá em casa não era hábito se comer aquele tipo de iguaria...
Pois é, tempo bom aquele
Abraço
Claude
Claude, o Pimenta daquela época deveria ser dividido em dois. O da cidade e o nosso que ficava no final do Crato. Você lembra quando chovia e o Rio Granjeiro transbordava? Quantos açudes não fizemos na Irineu Pinheiro.
ResponderExcluirVocê lembra quando fomos dançar quadrilha na Serra Verde? Seu Felipe liberou aquele caminhão e o motorista. Viajamos o tempo todo cantando, alegres e felizes. Ô tempo bom!
Abraço
Glória
Minha Prezada Glória Pinheiro,
ResponderExcluirAlguém que fala assim com tanto carinho da nossa cidade ( CRATO ) e que tem tantas lembranças, não poderia ficar de fora do BLOG DO CRATO. Gostaria de te enviar um convite para que lá possamos compartilhar também das suas belas postagens, tão carregadas de sentimento, a exemplo dessa, e desde já lhe peço permissão e ao meu amigo Morais para lhe levar também para lá.
Eu e o Morais temos um trato: Ele me leva alguns escritores, e eu pego alguns escritores dele, porque somos como irmãos, e o que é que ele não me pede que eu não executo ?
Portanto, entre em contato comigo pelo e-mail:
blogdocrato@hotmail.com
A fim de eu te enviar o convite para o nosso Blog, e seja bem-Vinda ao Crato na Internet:
BLOG DO CRATO
www.blogdocrato.com
Abraços,
Dihelson Mendonça
Glorita minha amiga querida, que belas recordações da sua eterna infância; eterna porque quando se tem uma infância tão rica destas coisas simples e valiosas como a que tivemos; jamais deixaremos morrer a criança que está em nós. A base para ser um ser humano, rico ou mediocre depende muitas vezes da infância que ele teve.Em se tratando de infância e adolescencia temos temos muito em comum: privilegio de poucos. Cada dia que passa te amo mais e mais. Abraço carinhoso e fraterno. Fatima
ResponderExcluirDihelson, obrigada! Um dia eu chego lá. Ainda estou treinando.
ResponderExcluirUm abraço
Glória
Maria de Fátima: creio que você é varzealegrense e cratense também.
Esta identidade foi desde o dia que você chegou no blog. Obrigada e um abraço minha amiga.
Glória