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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


quinta-feira, 10 de maio de 2012

SEXTA DE TEXTOS - Sávio Pinheiro

CONTRAPONTO

- Céu azul repleto de nuvens, quem diria... - Fala isso, alegremente, porém com olhos lacrimejantes, a recém-operada de Catarata, dona Gertrudes. O seu oftalmologista, apesar de já estar acostumado com essas cenas após a remoção de curativos cirúrgicos, sente o peso da poesia e da emoção que toma conta do intelecto de sua paciente.

Num passado não muito distante, era comum a cegueira provocada pela opacidade do cristalino, que privava o ser humano de admirar a beleza do firmamento e o colorido das plantas, devido a um envelhecimento precoce da visão, sentido que promove a admiração do mundo em toda a sua plenitude.

Com a implantação das lentes intra-oculares, os oculistas revolucionaram uma área, que trouxe de volta ao ser humano o direito de vislumbrar o universo que o cerca, conduzindo-o a uma melhora na qualidade de vida e a certeza de poder admirar todo o encantamento criado por Deus.

Em casa, a chegada de dona Gertrudes foi comemorada por todos. Festa com direito a bolo, salgadinhos e balões multicoloridos. A emoção deu a graça do momento. A cada instante, uma nova surpresa. - Como a minha netinha está linda!... E você, Clodoaldo, como cresceu! – Não parava de enaltecer o Criador e admirar as plantas, os animais e as pessoas. Estava deslumbrada.

De repente, sente um sobressalto, mas disfarça para não estragar aquela gratificante festa. Agradece à presença de todos os amigos, o apoio familiar recebido, a equipe médica, aos vizinhos. Enfim, a todos que participaram, direta ou indiretamente, para a concretização do sonho de voltar a enxergar.

Dias depois, retornando ao médico para uma consulta de rotina, é instigada por ele: - E aí, dona Gertrudes, como está se sentindo após tanto tempo sem contemplar tanta beleza? – Estou me sentido maravilhosamente bem! Mas tenho de admitir, que tive uma surpresa não muito agradável. – Não entendo... - Surpreende-se o médico. - Mas que desagradável surpresa foi essa, minha senhora? - Sem pestanejar, ela responde: - Fiz uma constatação que me surpreendeu. Como Chico, meu marido, ficou velho e feio, doutor!...



3 comentários:

  1. Só um iluminado das letras é capaz de produzir, de um simples acidente de rotina, um lindo texto como esse!
    Parabéns Sávio Pinheiro!

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  2. Dr. Savio.

    O pior é quando descobrem que se é feio depois do tempo.

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