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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


terça-feira, 12 de abril de 2011

A saga do vereador de oposição - Por João Dino.

As perguntas formuladas pelos repórteres, radialistas, apresentadores de programas de TV, jornalistas etc., são bastante conhecidas: quanto tempo de carreira, quem o influenciou para ser cantor, em que você se inspira para fazer suas composições, se você não fosse cantor o que gostaria de ser etc.

Muitas vezes o artista, tentando mexer com o lado emocional das pessoas fala de fome, acidentes, vaias, menosprezo de conterrâneos, portas fechadas etc.

Por conta disso tem artista que se dana a mentir. E repete tanto a mesma mentira que ele próprio acredita ser verdade. Por exemplo: Os episódios da fome que Bruno e Marrone fazem questão de dizer nas entrevistas, prá falar a verdade, eu não acredito. Eles contam aquelas estórias somente para o público comprar mais CD e DVD.

Para evitar determinadas perguntas, eu costumo antecipar algumas respostas: Eu digo logo que sempre tive outras profissões, que canto porque me faz muito bem, que desde os 9 anos de idade eu já trabalhava como garçom do bar da Praça da Matriz de Icó-CE (Meu pai era o arrendatário desse bar), e já ganhava meu próprio dinheiro; que aos 13 anos de idade eu já era um bom soldador, trabalhava em várias oficinas da cidade, inclusive na grande empresa INGREL, onde eu ganhava salário de adulto (Meu pai quem recebia. Mas me repassava uns 30%). Eu faço questão de dizer que quando comecei a cantar serestas já era contabilista e fiscal do Banco do Brasil.

Pois mesmo assim, numa rádio do Alto Piranhas da Paraíba, numa entrevista ao vivo, o apresentador do programa tentou enveredar pelo caminho do drama. Vejam só o que o sujeito perguntou, e a maneira como ele colocou: É, mais um taxista lá na rodoviária estava dizendo que conheceu você gritando leilão e vendendo galinhas numa Cidade do Vale do Piancó. Isso é mentira? Ou é verdade?

A gargalhada foi geral dentro do estúdio da rádio. Por um segundo eu fiquei sem saber onde botar a cara. Para ser sincero eu tive vontade de fazer o que Netinho de Paula fez com o repórter Vesgo: Eu pensei em tapar a boca dele com o microfone. Fechei os olhos e passei a imaginar como Anselmo Camelô, um dos meus ídolos, sairia de uma sinuca de bico como aquela. Encontrei a solução. Primeiro eu dei uma sonora gargalhada também. Entretanto, eu tive que contar uma história que eu guardava como segredo de justiça:

E comecei assim: Eu não tenho nada contra a profissão de leiloeiro ou de vendedor de galinha. Qualquer trabalho realizado com amor e honestidade, dignifica o cidadão. Mas o que você ouviu esse taxista relatando aconteceu numa festa de padroeiro, na qual eu fui contratado para cantar, há pouco mais de um ano.

Precisei de algum tempo para explicar: Eu fiz a abertura da festa às 21 horas. Por volta das 23 horas o Pároco da pequenina cidade mandou interromper o show para começar o leilão. O leiloeiro era um músico, boêmio, apaixonado. Quando ele ouviu o meu Maestro Natinho solando “concerto para um verão”, ficou emocionado e tomou uma lapada de cana. Em seguida, com aquele microfone sem fio, eu passei próximo ao local em que ele estava, cantando a música “Margarida”. Outra vez ele se emocionou e ingeriu outra lapada de cana. Mais uma música... Mais uma cana... Mas uma música... Mais uma cana...

Quando ele foi sair para arrematar a primeira galinha, tropeçou numa cadeira, caiu por cima da galinha, e foi aquele desmantelo. Foi aí que eu entrei em cena. O Padre mandou o Sacristão me pedir, por favor, para eu gritar o leilão. Jamais eu me recusaria a prestar um favor a um sacerdote.

Concentrei-me por alguns segundos em outro ídolo dos meus tempos de criança: Antonio Badalo, que durante décadas foi o leiloeiro das festas da paróquia da minha querida Icó-CE.

E comecei: Meus amigos essa cheirosa galinha assada, foi uma doação de D. Maria de Zé Pretim, para ajudar na reforma da capelinha do nosso padroeiro. Estamos leiloando essa prenda por R$ 5,00. Quem oferta mais? Eu disse isso umas quatro vezes e nada. Silêncio total.

Fechei os olhos e me lembrei das prosas engraçadas que Badalo dizia nos leilões de Icó, e falei: Senhor Deputado, porque não arremata essa galinha prá comer na praia em João Pessoa?

Finalmente, a primeira oferta. O Deputado levantou a mão e disse: Dou R$ 10,00. Lembrando de Badalo eu detonei: O Deputado Federal, Dr. Fulano, botou R$ 10,00 para o Prefeito Beltrano, seu maior braço forte, e maior líder do Vale do Piancó, comer essa galinha.

As emoções desse leilão estavam apenas começando. Vocês não vão acreditar. Pois não é que Mané Picolé, único Vereador que fazia oposição ao Prefeito na câmara, para se mostrar, inventou de desafiar o homem: Levantou a mão e acenou quatro vezes. Eu peguei no dente. Fiz o maior alarde: O Vereador Mané Picolé, botou R$ 20,00 para o Prefeito não comer a galinha.

Só se ouvia os cochichados e as risadas do povo: Ah meu Deus... Logo Mané Picolé... Tá ficando doido... Desafiar esse Deputado Federal que tem dinheiro até para queimar caieira de tijolos... Ah coitado...

O Prefeito pegou corda e disse: R$ 50,00 para o Deputado comer essa galinha... Mané Picolé disse: R$ 100,00. E lá vai. R$ 150,00, R$ 200,00, R$ 250,00, R$ 300,00.

O Padre dava cada gargalhada que chamava a atenção de todo mundo, e dizia: Taí um leiloeiro bom... Esse João Dino é pau prá toda obra... Vocês conhecem algum Padre que não gosta de oferta e de dinheiro?

Nesse momento eu já estava prá bater o martelo. R$ 300,00. Dou-lhe uma... R$ 300,00 para o Deputado comer a galinha, dou-lhe duas...

O Vereador Mané Picolé, levantou o braço e interrompeu: Um momento... Dou R$ 350,00. Por coincidência chegou um menino de bicicleta e deu um recado ao Assessor do Deputado. Nesse tempo não existia telefone celular (Nessa Cidade ainda hoje não tem).

A telefonista da TELPA mandou um recado que um empreiteiro de obras estava querendo falar com o Deputado, urgente. Meus amigos, esse homem fechou as mãos, levantou os dois braços gesticulando com toda força, assim como fazem os torcedores fanáticos do Bota-Fogo quando o time faz um gol. A vibração era como se estivesse comemorando uma grande vitória. Agarrou-se com o Prefeito. Eu fiquei assustado. Pensei que fosse uma briga e me aproximei. Ainda ouvi quando ele disse: Não falei que o homem tem palavra... Alí é macho com ”M” maiúsculo... Alí tem o cunhão roxo...

Os dois saíram abraçados. Na maior felicidade. Esqueceram o Padre, o Leilão, a reforma da Capela, o João Dino.... Deixaram tudo prá trás. Para completar, muita gente saiu acompanhando eles dois. Esvaziou o leilão.

E eu continuei: R$ 350,00. Quem vai comer a galinha é o Vereador Mané Picolé... Dou-lhe uma... Dou-lhe duas... Dou-lhe duas e meia... Dou-lhe duas e três quarto... Dou-lhe três...

Mané Picolé foi lá na mesa, puxou do bolso um talonário de cheques do Banco do Brasil, mandou o sacristão preencher (Assim como faz o nosso Deputado Tiririca), ferrou e entregou nas mãos do Padre.

Essa história eu vou continuar em outra Edição. Aguardem. Vocês irão ficar sabendo o que aconteceu com esse cheque.

Também vou contar para vocês a saga do Vereador da oposição Mané Picolé, quantos votos ele conseguiu na eleição seguinte e como ficou a família dele depois de quatro anos de sofrimento.

Aguardem a segunda parte.



2 comentários:

  1. Prezado João Dino.

    Uma boa historia. Estamos aguardando a segunda parte. Estou termeroso que este cheque tenha voltado por absoluta falta de fundos.

    Abraços.

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  2. COMO FALEI NO INÍCIO DA HISTÓRIA MORAIS, EU GUARDAVA TUDO ISSO COMO SEGREDO DE JUSTIÇA.
    MINHA SERESTA-BAILE VAI ATINGINDO AS 3 DÉCADAS PORQUE, COMO VOCÊ FOI TESTEMUNHA OCULAR DAQUELE ACONTECIMENTO NO LEILÃO DE UMA CIDADE PRÓXIMA DAQUI, EU SEMPRE ESTOU PRONTO PARA RESOLVER EVENTUAIS IMPREVISTO: APARTAR BRIGAS DE CASAIS, CONDUZIR PESSOAS PARA HOSPITAIS, TIRAR CARROS DO PREGO, SERVIR DE MOTORISTA DE AMIGOS EMBRIAGADOS, CONCILIAR ARRANCA-RABOS DE AUTORIDADES ETC.
    E MUITAS VEZES, QUANDO EU TERMINO DE CANTAR 3, 4, 5 HORAS, A NOITE ESTÁ APENAS COMEÇANDO. TEM MUITO MAIS COISAS PRÁ FAZER.

    NESSE EPISÓDIO, EU ME TORNEI AMIGO DO VEREADOR MANÉ PICOLÉ, E ACOMPANHEI DE PERTO A SUA SAGA.

    ELE FOI ELEITO POR UMA SIGLA PARTIDÁRIA QUE VALE DO PIANCÓ, NAQUELE TEMPO, QUANDO O POVO ÍA DIZER O NOME FALAVA "AVE MARIA, AVE MARIA, AVE MARIA, TRÊS VEZES" E SE BENZIA.

    AGUARDEM A 2ª PARTE DA HISTÓRIA. SIM, RECOMENDO AS PESSOAS QUE FAZEM OU PRETENDE FAZER OPOSIÇÃO AOS PREFEITOS DAS PEQUENAS CIDADES NORDESTINAS,A NÃO DEIXAREM SEUS FAMILIARES LEREM A 2ª PARTE DESSA HISTÓRIA. É MUITO TRISTE...KAKAKAKAKAK.

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