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"Ultrapassa-te a ti mesmo a cada dia, a cada instante. Não por vaidade, mas para corresponderes à obrigação sagrada de contribuir sempre mais e sempre melhor, para a construção do Mundo. Mais importante que escutar as palavras é adivinhar as angústias, sondar o mistério, escutar o silêncio. Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para ser sempre o mesmo".

Dom Helder Câmara


quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Bravos meninos de Varzea-Alegre - Por Lourdes de Morais César.

Frentes de serviços.

A noite segue. Uma brisa suave chega como se viesse lhes fazer um carinho.
No chão do armazém escuro, tentam dormir os dois meninos. Dois irmãos, com  pouca diferença de idade. Crianças pequenas, com coragem de homens.
No sertão, castigado pela seca, recebem benefício do governo. Trabalham com a picareta, abrindo estrada e recebem uma quantia em dinheiro.
O pai, ali os deixou e foi embora. Não fora aceito para trabalhar, por conta da idade. Deixou os dois filhos e viria buscá-los no sábado.
Os outros trabalhadores iriam para casa à noite, mas os meninos ficaram com o combinado de dormirem no armazém, já que moravam mais longe.
Deitados ali, agora, pensam em coisas alegres, como se assim, pudessem espantar o medo: O fogão de lenha e o feijão de corda no fogo, cheirando de longe; o pão de ló gostoso, que comiam em dia de festa...
Pensam também no pai indo embora para voltar no sábado. Seu vulto no cavalo, sumindo devagarinho até desaparecer. O mais novo dos meninos, ficara ali, mas já prometera: quando fosse para casa, se esconderia no mato e seu pai não conseguiria achá-lo. Desta forma, não voltaria mais para o trabalho, de jeito nenhum!
Mas, o mais velho sorri. Um sorriso de tristeza, pois o irmãozinho não tinha ainda percebido que, a vida é mesmo assim, era o pai que mandava e pronto.  
Os dois meninos não sabiam que lhes fora roubado o tempo de brincar. E que ali,naquelas noites,eles provavam seu valor, com uma coragem que até homens grandes, às vezes não têm.
De repente ,no silêncio da noite, escutam aquele barulhinho,que os faz tremer. O pequeno, então começa a chorar, mas o mais velho não demonstra que está com  medo. Finge uma força que não tem, para proteger o irmão
Aquele barulho, são os ratos que fazem. Eles já viram vários , bem grandes por ali passeando em busca de comida, mas no escuro da noite, parece que eles vão atacá-los a qualquer momento. O medo torna as coisas bem piores.
Mas, o menino mais velho tem que consolar o irmão. Pede a Deus que cale e afaste os ratinhos, para que consigam dormir. Abraça seu irmãozinho, que vai chorando baixinho...
O pequeno vai adormecendo, chorando e escutando a voz do irmão, que, como se cantasse uma melodia bem triste, vai repetindo, em seu ouvido bem baixinho, até dormir também:
Chora não, Chico...
Chora não...

3 comentários:

  1. Um texto muito bom. Especialmente para aqueles que conhecem a historia das dificuldades enfrentadas pelo sertanejo nas diversas secas que ocorreram no passado. Era assim, axatamente assim.

    Infelizmente apesar do Governo gastar milhões para tentar encobrir essa mesma miseria e mostrar que no Brasil todo mundo, hoje em dia, é rico, a miseria campeia nas periferias das cidades com um agravante, acrescida de outros grandes males: as drogas e a prostituição. O pior é que hoje ninguem chora por eles, nem eles mesmos.
    Parabens pelo belo texto.

    Antonio Morais

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  2. Lourdes de Morais César

    Belíssimo texto denunciando as mazelas do nosso povo. Mas, não é apenas em Várzea Alegre que ocorre a exploração do trabalho infantil aqui em São Paulo a maior cidade da America latina também podemos encontrar crianças vendendo balas e doces nos faróis e ônibus da capital, e até outros serviços como esse da postagem eu já vi crianças executarem aqui. Isso é um crime, pois se uma criança está trabalhando é porque existe um adulto por trás explorando o trabalho dessa criança, leis para coibir esses abusos existem, mas a lei é para ser acionada senão ela torna-se inócua!

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  3. Parabéns pela linda história! Porém triste.
    Grande realidade que talvez ainda aconteça até hoje.

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